O reajuste de subsídios aprovado pela Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira corrige o salário dos ocupantes dos mais altos cargos políticos do país 513 deputados federais, 81 senadores, 34 ministros, o presidente da República e seu vice pela inflação dos últimos quatro anos, de 29,81%. Até aí, tudo bem. Mas o aumento, que ainda precisa ser ratificado no Senado, não deixa de apresentar uma conotação de oportunidade política por coincidir com o período em que as atenções gerais da sociedade estão voltadas para a primeira visita do Papa Bento XVI ao Brasil.
A aprovação dos reajustes, retroativos a 1.º de abril, foi simbólica, sem registro nominal dos votos. Quando entrarem em vigor, os dois projetos um para o Legislativo e outro para o Executivo representarão impacto anual aos cofres públicos de no mínimo R$ 610 milhões, já que deputados estaduais e vereadores têm salários vinculados aos contracheques do Congresso.
A "blindagem" papal em relação à medida adotada pelo Congresso foi salientada na própria Câmara por parlamentares insatisfeitos com o que classificaram de manobra da mesa e da maioria situacionista. Na marcha regimental a proposta de majoração dos vencimentos de deputados, senadores e de integrantes do Poder Executivo foi aperfeiçoada em relação a vícios originais, como a previsão de um gatilho que determinava revisão automática a cada ano com base no índice inflacionário. Menos mal.
O fato é que a sociedade veria o aumento com menos reservas se a atuação recente do Congresso, marcada por sucessivos escândalos, não deixasse tanto a desejar. Na legislatura passada acumularam-se denúncias de comportamento indevido por parte de parlamentares denunciados à Justiça pela Procuradoria Geral da República nos episódios do "mensalão", da operação "sanguessuga", da "máfia das ambulâncias" e outras situações contrárias à ética. Neste mandato que mal se inicia, acumulam-se as censuras da opinião pública contra a troca de partidos, numa evidência de que algo precisa ser corrigido.
A propósito, o deputado Mauro Benevides, do PMDB do Ceará, reafirmou a urgência da reforma política, lembrando que a aceitação pública do Parlamento baixou para "o porcentual verdadeiramente humilhante de 1,1%, o mais baixo da História". Por isso o parlamentar cearense critica a demora do Congresso em fazer as mudanças necessárias, mesmo após reiterados pleitos da sociedade representada pela Ordem dos Advogados do Brasil e outras entidades e das cortes superiores de Justiça, notadamente o Tribunal Superior Eleitoral.
A necessidade de mudanças vem sendo colocada em todos os eventos que analisam o sistema político-eleitoral do Brasil e já existe um projeto pronto para ser votado na Câmara, fruto do trabalho de uma comissão especial. Mas, para valer nas próximas eleições municipais, tal projeto deve ter sua tramitação concluída até setembro próximo. Há três pontos sobre os quais existe, se não consenso, pelo menos a concordância da maioria das bancadas: financiamento público de campanha, federação de partidos e listas pré-ordenadas de candidatos a cargos proporcionais.
Esperamos que os deputados, que aproveitaram o desvio de atenção gerado pela visita papal como um expediente para corrigirem os próprios salários, agora recolham a inspiração necessária para aperfeiçoar as instituições da democracia brasileira.