Parece que nem tudo está perdido no mundo da política brasileira. Em um país em que cúpulas partidárias se encontram sob investigação por pilhar estatais e golpes corporativistas triplicam a verba pública destinada aos partidos políticos, acendeu-se uma luz no fim do túnel – não necessariamente ou exclusivamente para baratear os custos das campanhas políticas, mas sobretudo para dar maior legitimidade à representação popular. Trata-se da aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) que institui o voto distrital nas eleições para as câmaras de vereadores em municípios com mais de 200 mil eleitores (ou seja, os mesmos em que há segundo turno na eleição para prefeito).
De acordo com o projeto, cada município será dividido em tantos distritos quantas sejam as cadeiras de vereador em suas respectivas câmaras. Os partidos políticos poderão escolher um só candidato (e seu suplente) para cada distrito. Ganha a eleição o candidato que obtiver mais votos no seu distrito – ou seja, os vereadores serão eleitos por maioria simples e não mais pela proporção de votos obtidos indiretamente pelas legendas ou coligações a que pertençam.
A proposta passou pela CCJ do Senado em caráter terminativo, o que dispensa a votação em plenário – ela só ocorrerá se um determinado número de senadores se manifestar neste sentido. O projeto será, então, remetido à Câmara dos Deputados, que poderá rejeitá-lo ou emendá-lo – caso em que voltará ao Senado para receber a palavra final. Até agora, duas etapas importantes já foram vencidas. A primeira delas, quanto à constitucionalidade da matéria: prevaleceu a tese de que não há ilegalidade na adoção do voto distrital apenas para vereadores, pois a Constituição, embora determine eleição sob o sistema proporcional para os legislativos estaduais e federal, é omissa quanto aos municipais. A segunda etapa é o reconhecimento praticamente unânime dos senadores de que o povo estará melhor representado por seus vereadores.
O voto distrital garante que não teremos a representar-nos figurantes beneficiados por obras do acaso
Não é o que acontece historicamente e atualmente. Com pleitos proporcionais, costumam ser escolhidos vereadores ou com ralas ligações com as comunidades locais; ou, o que é muito pior, acabam sendo eleitos políticos com baixíssimas votações, beneficiados pelos votos que “sobram” dos campeões de urna que pertençam à mesma legenda ou coligação. Neste caso, candidatos que obtêm votações expressivas são preteridos, pela legislação vigente, por outros que, apesar da votação ridícula, tiveram a sorte de pertencerem a um grupo liderado por um grande “puxador” de eleitores.
O voto distrital municipal tende a garantir que o mais votado candidato a vereador seja, de fato, o mais conhecido e o reconhecidamente mais comprometido com os interesses da pequena coletividade (distrito) em que habita ou com a qual tenha maior comprometimento. O sistema assegura, portanto, que tenhamos câmaras constituídas somente pelos mais votados, com a garantia de que não teremos a representar-nos figurantes beneficiados por obras do acaso. Ao restringir o alcance da campanha – os candidatos, em vez de buscar votos em toda a cidade, o farão apenas no distrito que desejam representar –, ela também custará menos.
O projeto aprovado pelo Senado, embora avance no sentido de melhorar a representatividade, ainda não deve ser considerado perfeito. Mas pode ser aperfeiçoado pela Câmara se os deputados concordarem com a tese de que, em vez do voto distrital puro (como está previsto), se adote o distrital misto, de tal forma que parte significativa das câmaras seja composta por eleitos pelo sistema proporcional. Com o voto distrital misto, que é o sistema defendido pela Gazeta do Povo, poder-se-á garantir que partidos, coligações ou correntes diversas de pensamento político – não necessariamente preocupados apenas com buracos e lombadas – estejam também representados.
Se aprovada, a adoção do voto distrital, seja ele puro ou misto, parece-nos ser um dos mais importantes capítulos da sempre ensaiada (mas nunca realizada) reforma política pela qual o país clama há muito tempo. É uma experiência que vale a pena realizar.