Pesquisa publicada ontem mostra que 8,3 milhões de eleitores – cerca de 8% do total – receberam proposta de compra de voto nas eleições passadas. O índice é quase três vezes maior do que os 3% registrados na eleição de 2002. A ONG Transparência Brasil, que encomendou o levantamento, classificou os números de alarmantes, conforme o coordenador da organização, Cláudio Weber Abramo. Para ele, o resultado coloca em questão a integridade do sistema eleitoral brasileiro e pode ter alterado o rumo das eleições.

CARREGANDO :)

O Paraná aparece no ranking da nova espécie de voto de cabresto como o pior cenário, já que 22% dos pesquisados teriam sido alvo de assédio. Destaca a pesquisa, que tem uma margem de erro bastante elevada, que o grupo mais vulnerável da população não é o formado por pessoas de baixa renda. Os jovens se revelaram mais dispostos a vender o voto.

Esse raio X causa alguns sobressaltos, embora não revele nada de novo. No início do ano passado, outro trabalho, intitulado Cidadania, Participação e Instituições Políticas: O Que Pensa o Brasileiro?, do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, mostrava como o brasileiro ainda se conforma com a tese de que o país está irremediavelmente condenado a ser um "mar de lama".

Publicidade

Para 79% dos entrevistados, a corrupção seria a marca do serviço público. Quase igual número achava que os políticos só existem para se dar bem na vida. Tal resultado reforçava o "conformismo" expresso no último Latinobarómetro, pesquisa feita por uma ONG chilena, que se propõe a mostrar a quantas anda a satisfação com a democracia em nossas plagas.

A questão é muito mais profunda. O projeto temático Cidadania e Democracia, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp – dá conta do "desmanche, o largo processo de desregulamentação e internacionalização do mundo, que se faz destruindo mediações", influindo diretamente nos direitos de cidadania e gerando a "privatização do público, destituição da fala e anulação da política", conforme o sociólogo Francisco de Oliveira, da USP, que fez parte da equipe do projeto.

E ele questiona como todo esse processo pôde ocorrer com tão pouca resistência por parte da sociedade, "um domínio de classe consentido, ativa e passivamente, em que finalmente os dominados partilham os mesmos valores dos dominantes". Já o cientista político Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, ao ressaltar que talvez a perene desilusão com a política nacional tenha razões que a razão comum desconhece, lançava o repto: "Aonde iremos com todo esse frenesi ético-moralizante que parece querer, com seu afã regenerador, bombardear todas as práticas da vida parlamentar democrática?" Para ele, hoje as pessoas não querem ser cidadãos, mas consumidores. Ou, por outra, a cidadania que reivindicam é a do direito ao consumo.

Vale citar ainda o jurista Fábio Konder Comparato, que em seu recente livro Ética diz que o que importa na vida não é só viver, mas sim viver para o bem. E aí o verdadeiro sentido da vida humana é manifestamente ético.