Luiz Fux lê seu voto pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.| Foto: Antonio Augusto/STF
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Segundo a votar no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, por ser relator de outra ação sobre o tema, o ministro Luiz Fux esteve muito longe de ser o crítico do ativismo judicial que havia sido em outras ocasiões. Fux, com seu voto, lido na última quarta-feira, endossou o fim da liberdade de expressão nas mídias sociais que já havia sido defendido por Dias Toffoli na semana anterior – e, no dia seguinte, ainda teve a coragem de lavar as mãos e culpar o Congresso Nacional pela enorme instabilidade em que STF lança o país com suas decisões.

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Embora a íntegra do voto de Fux ainda não tenha sido liberada pelo STF, os relatos publicados até o momento afirmam que o ministro seguiu uma linha muito parecida com a de Toffoli, afirmando que o artigo 19 do Marco Civil da Internet – que prevê responsabilização das mídias sociais por conteúdo publicado por terceiros apenas no caso de descumprimento de ordem judicial ordenando a remoção – é inconstitucional, e assumindo o papel de legislador ao defender em quais circunstâncias deveriam valer outros tipos de moderação de conteúdo. Para Fux, há o “dever de cuidado” (o monitoramento ativo das plataformas, que deveriam apagar de imediato as publicações, independentemente de notificação) nos casos de “discurso de ódio”, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de Estado. Já o “notice and takedown”, em que a responsabilização depende de notificação enviada à plataforma, seria aplicado nos casos de ofensa à honra, à imagem ou à privacidade, caracterizando injúria, calúnia e difamação.

Com seu voto, Fux endossou o fim da liberdade de expressão nas mídias sociais que já havia sido defendido por Dias Toffoli

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Temos repetido exaustivamente neste espaço o enorme risco que as regras defendidas por Toffoli e Fux representam para a liberdade de expressão no Brasil, e chama a atenção que, em alguns aspectos, o voto de Fux seja ainda mais severo que o de Toffoli. Um caso é o uso da expressão “discurso de ódio”, conceito não definido na lei brasileira e que grupos militantes, alas do Ministério Público e mesmo juízes usam como bem entendem para nele incluir tudo de que discordem – Toffoli preferiu a expressão “divulgação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que levem à incitação à violência física, à ameaça contra a vida ou a atos de violência contra grupos ou membros de grupos socialmente vulneráveis”. Fux ainda defendeu que, nos casos de “notice and takedown”, a responsabilização passe a contar a partir do momento da notificação. “Eu defendo a remoção imediata, não em prazo razoável. Notificou, tira”, afirmou o ministro, propondo uma regra que incentivará ainda mais a censura, já que os responsáveis pelas plataformas tenderão a remover tudo que seja alvo de notificação, sem nem mesmo analisar os conteúdos questionados.

E foi assim, um dia depois de se arvorar no papel de legislador – e censor –, que Fux foi a um evento fechado, realizado pelo Instituto de Estudos Jurídicos, e acusou o Congresso de “empurrar tudo para o Supremo” porque “não quer pagar o preço das suas decisões”, e de promover uma “orgia legislativa” ao alterar leis com frequência. Por mais que a reclamação seja parcialmente verdadeira, no sentido de que partidos derrotados no Congresso adoram ir ao STF para conseguir um “terceiro turno” – o PSol, a Rede e o senador Randolfe Rodrigues que o digam –, Fux conta a história quase como se o Supremo fosse uma vítima, porque “é obrigado a decidir”. Ora, sempre houve a possibilidade de os ministros decidirem que determinado tema já foi resolvido pelo Legislativo e que o Judiciário não deve se intrometer, possibilidade essa que os ministros raramente utilizam, preferindo abolir ou reescrever as leis que não lhes agradam. Chega a ser irônico, quando não hipócrita, que Fux use como exemplo de uma ação correta do STF o julgamento no qual acabara de votar, alegando que a responsabilização das plataformas é assunto que não foi tratado pelo Congresso – alguém haveria de perguntar se o Marco Civil da Internet, então, é um caso sui generis de geração espontânea de leis...

Orgia causadora de insegurança, para usar as palavras de Fux, quem promove é o STF, que derruba ou reescreve leis, que reverte sua jurisprudência com uma frequência assustadora, que relativiza garantias democráticas essenciais, que já acabou até com o respeito à coisa julgada em questões tributárias, as mesmas que o ministro usou como exemplo para criticar o Congresso. E, apesar de Fux ser uma rara voz dentro do Supremo contrária ao uso do Judiciário como recurso final dos derrotados no Legislativo, a prática mostra que, quando lhe convém, a toga de ativista lhe cai tão bem quanto para outros colegas mais entusiastas do papel legislador do Supremo.

Para que não fique dúvida a respeito das intenções do STF, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, afirmou, ainda antes da sessão em que Fux leu seu voto, que a decisão do STF seria provisória e valeria até que o Congresso legislasse sobre o assunto, “porque quando o Congresso legislar, vai prevalecer o que Congresso decidir”. Ocorre que o Congresso já decidiu, em 2014, quando aprovou o Marco Civil da Internet. Seu artigo 19 é, sim, constitucional; ao contrário do que dizem Toffoli e Fux, ele não deixa desprotegidos direitos básicos, como a honra e a privacidade, pois já prevê um mecanismo pelo qual as violações desses direitos são coibidas com a ajuda do Judiciário. Se os ministros não gostam do que os parlamentares decidiram, se acreditam que o modelo atual é lento, se julgam que deveria haver mais hipóteses de “notice and takedown” e casos de “dever de cuidado”, isso pouco importa, pois não basta para fazer do artigo 19 um texto contrário à Constituição.

Quem acredita em Barroso quando ele afirma que “vai prevalecer o que Congresso decidir” o faz por pura ingenuidade, pois, se hoje o STF encontra uma forma de declarar inconstitucional algo que não o é, nada impede que a corte faça o mesmo no futuro caso o Congresso aprove uma lei que não coincida em detalhes com o que os ministros estão decidindo. Não há autonomia nem independência dos poderes quando o Legislativo é sutilmente coagido a aprovar uma lei que saia exatamente ao gosto do Judiciário. Quando isso acontece de forma a acabar com a liberdade de expressão na internet, ainda por cima, já não se pode falar nem mesmo em democracia.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]