O importante é eleger Lula; e dane-se a ética. Este é o resumo da mais recente e constrangedora manifestação de apoio à reeleição do presidente da presente temporada, capaz de fazer corar até mesmo, quem sabe, alguns dos muitos sanguessugas e mensaleiros que habitam o cenário de degenerescência ética e moral da política brasileira revelado nos últimos tempos.

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Os protagonistas e defensores dessa versão tupiniquim do "princípio" segundo o qual os fins justificam os meios foram quatro proeminentes representantes da classe artística que, na semana passada, confraternizaram com Lula na casa do ministro Gilberto Gil, no Rio, para representar um festivo ritual de adesão à campanha da reeleição.

Que não se condene, por democraticamente legítima, a opção dos seus autores pelo candidato, mas é inaceitável que a tenham declarado da forma como o fizeram, isto é, acintosamente e na contra-mão daquilo que é hoje o mais urgente anseio nacional – a restauração dos bons costumes no trato da coisa pública e do respeito à cidadania.

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Com efeito, superaram-se na arte de atropelar os bons costumes atores conhecidos por sua atuação em novelas, como Paulo Betti e José de Abreu, na música popular, como Wagner Tiso, e no cinema, como o produtor Luiz Carlos Barreto. Na ânsia incontrolável de referendar sua preferência eleitoral, comportaram-se no limite da irresponsabilidade. Esqueceram-se de que, por sua condição profissional, devem respeito ao público na mesma proporção em que exercem influência sobre ele.

"Não estou preocupado com a ética do PT, ou com qualquer tipo de ética", disse Wagner Tiso, para quem a política não passa de um mero "jogo de poder". Paulo Betti demonstrou concordância com a frase que ele próprio perpetrou: "política só se faz com mãos sujas". José de Abreu disse estar "indignado com os indignados", referindo-se à grande maioria da população que se mostra enojada com a deliqüescência moral a que assiste. Luiz Carlos Barreto, por sua vez, resumiu com maestria a idéia subjacente nas manifestações de seus colegas: "se o fim é nobre, os fins justificam os meios". Segundo ele, "inaceitável é roubar" e "mensalão não é roubo, é jogo político".

Prestaram com suas palavras um mau serviço à nação – ente cuja existência se fundamenta justamente na ética. É a ética que sustenta a organização e a convivência social. É dela que decorreu a evolução do conceito de cidadania, que por sua vez deu origem ao Estado e aos governos, aos quais foi entregue a delegação de regular as relações sociais de modo a garantir a paz, a justiça e o bem-estar de todos. O veio condutor desse modelo de organização e de convivência são os princípios éticos consagrados ao longo do processo civilizatório.

Não há sociedade que resista ao roubo desenfreado, ao assalto aos cofres públicos, ao desrespeito aos contribuintes e eleitores; que resista à mentira e à empulhação. Admitir a permanência desses vícios como normais na prática política é tudo o que se precisa para condenar o país a perpetuar o atraso e a conviver com a violência, a injustiça e a pobreza.

Defender a idéia de que mais importante é ganhar uma eleição dando sobrevida a mensaleiros, sanguessugas e outros da mesma espécie, como o fizeram os indigitados artistas, não pode ser encarado como uma simplória manifestação de ignorância cívica, mas de clara militância cínica.

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De todo cidadão consciente da própria dignidade requer-se reação a esse modo de pensar e agir. E o modo concreto de fazê-lo é por meio do voto pela restauração da ética.