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Editorial

As falácias do primeiro voto em favor do aborto no STF

A ministra Rosa Weber, presidente do STF e relatora da ADPF 442, votou pela legalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação. (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

O julgamento da ADPF 442, que pede a liberação do aborto no Brasil nas 12 primeiras semanas de gestação, irá para as sessões presenciais do Supremo Tribunal Federal. Um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso interrompeu o julgamento em plenário virtual, e tudo indica que será o próprio Barroso, que assume a presidência do STF em outubro, quem definirá quando o assunto voltará à pauta da corte. Ele substituirá Rosa Weber, que também é relatora da ADPF 442 e foi a primeira a depositar seu voto – que permanecerá valendo mesmo depois que ela se aposentar do tribunal. A ministra julgou a ação parcialmente procedente, ou seja, considerou que os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto são inconstitucionais, ao menos no que diz respeito ao primeiro trimestre de gravidez.

Há alguns poucos pontos interessantes a ressaltar no voto da relatora. Ela reconhece, por exemplo, que a expressão “direitos sexuais e reprodutivos” contempla, sim, o direito ao aborto – por décadas, a estratégia do movimento abortista foi esconder sua pretensão sob essa expressão aparentemente inofensiva e até positiva. Além disso, apesar de definir a 12.ª semana de gestação como o limite para a legalização por ela pretendida, a ministra não enfrenta o tema de frente. O que, afinal, acontece de tão incrível quando se passa do sétimo dia da 12.ª semana para o primeiro dia da 13.ª semana, a ponto de um nascituro poder ser eliminado antes e não poder mais sê-lo depois? Rosa Weber não responde, limitando-se a dizer que existe uma gradação na proteção legal à vida. O lado positivo disso é ressaltar o caráter totalmente arbitrário da escolha; o negativo é que seus argumentos poderiam, no fim das contas, ser usados para defender o aborto até mesmo nos momentos que antecedem o parto – o que é, no fim das contas, o objetivo final da militância.

Não há base científica, legal ou ética para que o Brasil permita a eliminação indiscriminada de seres humanos ainda por nascer, com ou sem limite de evolução gestacional

De resto, o longo voto da ministra adota uma estratégia já conhecida: a de desumanizar o nascituro para, assim, negar-lhe os direitos de que os humanos nascidos gozam; ou, na mais benigna das hipóteses, argumentar que o nascituro não merece proteção no mesmo grau daqueles que já vieram à luz. Para isso, no entanto, é preciso torcer a ciência e a lei, e nem mesmo o empenho árduo que Rosa Weber coloca nesta tarefa é capaz de ocultar a verdade. É assim que, sem titubear, a ministra afirma que “a inexistência de consenso a respeito de quando inicia a vida é fato notório, mesmo para a área da ciência”, uma afirmação facilmente desmentida por qualquer manual de Embriologia usado por qualquer faculdade de Medicina, já que é amplamente sabido que o encontro do óvulo e do espermatozoide leva ao surgimento de um novo ser, um novo indivíduo, indubitavelmente vivo e indubitavelmente humano.

A ministra, no entanto, parte para uma concessão, talvez ciente da fraqueza do argumento sobre o início da vida – fraqueza que ela deixa transparecer em trechos como “o Estado, portanto, tem legítimo interesse (e deveres) na proteção da vida humana, configurada no embrião e no nascituro” (destaque nosso). Ainda que se admita que o embrião é vida humana, diz a relatora, ele não seria protegido pelo caput do artigo 5.º da Constituição brasileira. Rosa Weber fala de um suposto “propósito do texto constitucional em afastar qualquer compromisso com a tese do direito à vida desde a concepção, a qual, diga-se, foi rechaçada nos trabalhos constituintes”. No entanto, não houve “rechaço” algum. A expressão “desde a concepção” ficou de fora da Constituição não porque o constituinte quisesse deixar desprotegido o nascituro, mas porque julgava que tal proteção já estava implícita no texto – afinal, há vida no nascituro – e na lei infraconstitucional, que define o aborto como crime. Esta conclusão deriva da análise dos debates ocorridos na Assembleia Constituinte a respeito da redação do artigo 5.º, feita por parlamentares já depois da apresentação da ADPF 442.

Mas, ainda que a Constituição não explicite o direito à vida “desde a concepção”, outros textos legais o fazem, e Rosa Weber o reconhece. Falamos, especialmente, do artigo 2.º do Código Civil, segundo o qual “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Depois de reconhecer esta salvaguarda, e citar alguns outros direitos dados ao nascituro pela lei, no entanto, a ministra questiona, recorrendo a um sofisma: “o que ocorre no mundo jurídico se o nascituro, herdeiro ou donatário, não chegar a nascer? Não há produção de efeitos jurídicos, uma vez que o exercício dos direitos é condicionado ao seu nascimento com vida, quando ele adquire personalidade civil”. De fato, há muitas circunstâncias que podem fazer com que um embrião ou feto não chegue a nascer, como um acidente ou uma má-formação. Mas, se isso ocorre por meio do aborto voluntário, significa que já houve uma violação dos seus direitos, salvaguardados pela lei. O que a ministra propõe, no fim, é uma falácia: a lei põe a salvo os direitos do nascituro, mas ele só pode exercê-los se nascer vivo; por isso, não haveria problema em matá-lo antes de ele nascer.

Afastar o direito do nascituro à vida é um passo necessário para o ataque final: a afirmação de que a lei penal que criminaliza o aborto viola o princípio da proporcionalidade, e por isso teria de ser derrubada. A análise da proporcionalidade, assim, não seria feita em relação ao direito do nascituro à vida, mas em relação aos direitos da mulher à autonomia e à liberdade. Ocorre, no entanto, que os termos são tão vagos quanto incorretamente aplicados neste caso. A mulher tem autonomia sobre o próprio corpo, mas o filho, obviamente, não é parte do corpo da gestante; e de que liberdade, afinal, estamos falando? Da liberdade de matar um filho. No entanto, não existe “direito fundamental ao homicídio”. A lei dá às pessoas o direito de matar em legítima defesa um agressor injusto, e ao Estado o direito de aplicar a pena de morte em tempos de guerra, mas nunca, em nenhum momento da história brasileira, houve um “direito a eliminar um ser humano indefeso e inocente”. Como afirmamos anos atrás, “o raciocínio segundo o qual os artigos 124 e 126 do Código Penal ‘restringem um direito’ é tão absurdo quanto pensar que os artigos 155 e 157, que definem o furto e o roubo, restringem o direito à propriedade, como se houvesse um ‘direito a apossar-se do alheio’ que estivesse sendo sufocado pela lei”. Não há, portanto, nenhum sentido em aplicar a análise de proporcionalidade à criminalização do aborto.

O que se espera, agora, é que haja ao menos seis ministros capazes de apontar estes e outros equívocos da argumentação de Rosa Weber quando chegar o momento das discussões em plenário. Não há base científica, legal ou ética para que o Brasil permita a eliminação indiscriminada de seres humanos ainda por nascer, com ou sem limite de evolução gestacional. O que precisamos é de uma rede eficaz de apoio às gestantes para que sejam devidamente amparadas em seu momento de maior vulnerabilidade, tanto pelo Estado quanto pela sociedade. Esta, sim, é a marca de um país verdadeiramente civilizado.

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