O monge Grigory Rasputin era duro na queda. Quando, alarmados com o poder paralelo que exercia na Rússia czarista, seus inimigos resolveram eliminá-lo, atraíram-no para uma cilada, encharcaram-no de vinho e de bolinhos contendo uma quantidade de cianureto capaz de matar um cavalo e ele não morreu, esfaquearam-no e nada, deram-lhe vários tiros e jogaram-no ainda vivo em um lago gelado onde, finalmente, entregou sua alma à justiça divina. Qualquer semelhança com fatos recentes aqui na terrinha é mera coincidência.

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Enquanto a turma do mensalão ganha tempo e fôlego explorando o formalismo e o ritualismo exacerbado da cultura jurídica brasileira que tem preferido discutir as minúcias do atestado de óbito em vez de discutir o estado de putrefação do cadáver, vamos levando a vida como Deus é servido. Ou, repetindo Chico Buarque: "aqui na terra estão jogando futebol, tem muito samba e muito choro e rock and roll, uns dias chove, outros dias bate sol... mas o que eu quero lhe dizer... é que a coisa aqui tá preta!"

Outro dia, na reunião da Academia Paranaense de Letras, o ex-reitor Carlos Roberto Antunes dos Santos, que é especialista em história da alimentação, fez uma palestra interessantíssima sobre uma faceta pouco conhecida de Leonardo da Vinci, o gosto pela gastronomia e, como em tudo que fazia, o talento para criar, inovar e estar séculos à frente de seu tempo. A palestra me inspirou a analisar o que está acontecendo de um prisma diferente, o culinário, já que o que estamos praticando no Brasil está longe de se qualificar como gastronomia, é cozinha mesmo, de trivial ligeiro e pouco variado.

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A primeira constatação é que tudo se encaminha para terminar com a famosa pizza e os pizzaiolos se esmeram nesse sentido. O Conselho de Ética e o plenário cassaram Roberto Jefferson porque não ficou provada a existência do mensalão, ou seja, de pagamentos rotineiros e divididos gregorianamente. É claro que ficou provado que foram realizados pagamentos inexplicáveis e parlamentares e políticos receberam recursos inexplicáveis, mas, uma vez que Jefferson falara em R$ 30 mil mensais e essa regularidade de pagamentos não aconteceu a cada 30 dias, conclui-se que mentiu e faltou com o decoro. Agora vem o velho Ibrahim Abi Ackel de guerra, com décadas de experiência no lombo (sic), se engana de datas e leva a CPI do Mensalão a um final ridículo e melancólico não encontrando indícios de tal conduta; é claro que encontrou indícios de muitos pagamentos e recebimentos inexplicáveis, mas não se caracterizavam como mensalão porque mensal significa a cada 30 dias de acordo com o Houaiss e bla, blá, blá...

A segunda é que o ministro Palocci ainda não está suficientemente crispy para a gastronomia pouco exigente do presidente Lula, que embora muito "chateado" com a discussão de um assunto estratégico do governo na imprensa em vez de sê-lo nas salas de reunião do Palácio, transformou, com sua ambigüidade, o ministro Palocci e, por tabela, o ministro Paulo Bernardo naquilo que os americanos chamam de lame ducks, os patos mancos, incapazes de fazer grandes proezas depois que suas pernas foram impiedosamente quebradas em público pelas grosserias da ministra Dilmam disfarçadas de divergências doutrinárias.

A terceira é que o atual governo parece sofrer de inapetência pois, enquanto os mandarins colocam a culpa na falta de verbas, não são capazes de gastar sequer as de que já dispõem. Os dados do Siafi não deixam dúvidas de que o problema de gestão não decorre da falta de dinheiro e sim da falta de capacidade para gastá-lo. Isso não impede que, com inapetência e tudo, a folha de pagamento do governo federal continue a engordar: as despesas da Presidência da República com pessoal cresceram 81,6% de 2002 para cá; já as despesas com pessoal de educação cresceram bem menos (38%) e de saúde menos ainda: 22,9% no mesmo período. E nessa cozinha existe um número cada vez maior de comensais qualificados: entre 2002 e a data de hoje, 1.400 novos ocupantes dos cargos de Direção e Administração Superior ingressaram alegremente na folha de pagamento.

E é claro, temos o pecado da gula em que incorreram dezenas de pais da pátria, saciando-se nas tetas generosas do publicitário Marcos Valério e sabe-se lá de quem mais e por quanto tempo. Dizia Milton Friedman que as três leis da bioeconomia são: tudo vem de algum lugar; tudo vai para algum lugar; e não existe almoço grátis. Do jeito que as coisas estão indo, fica cada vez mais difícil saber de onde veio o dinheiro do valerioduto; para onde foi já é mais fácil mas assim mesmo a busca encontra percalços conhecidos. E pelo andar da carruagem, dependendo de alguns luminares, a turma toda terá almoçado de graça.

P.S. Luiz Roberto Soares escreveu um artigo brilhante no Caderno Idéias sobre as elites e quem tem medo delas. Deveria ser texto obrigatório em todos os cursos universitários.

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Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações da UniFAE e membro da Academia Paranaense de Letras.