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Escrevi neste espaço tempos atrás que meu panteão de heróis é bastante reduzido, mas que nele uma pessoa tem lugar garantido: Italo Conti, um de meus mentores na vida profissional juntamente com Alípio Ayres de Carvalho e Jayme Canet Júnior. Pois é, o general Italo está completando noventa anos em pleníssima forma, elétrico como sempre foi, envolvido e interessado nas questões públicas e atento à política. Seu aniversário e o retrospecto de sua trajetória, além de reforçar a minha admiração por ele, revigoram minha memória a respeito do governo de Ney Braga, ao qual serviu e me faz meditar sobre uma questão intrigante: por que e como o Estado brasileiro, transformou-se de agente privilegiado de desenvolvimento em um monstro teratológico, balofo, lento, lerdo de raciocínio e pobre de idéias e de ações, entrópico e incapaz de mudar significativamente para melhor a vida dos cidadãos.

Algumas das explicações são bem conhecidas: o Estado sempre teve um papel central na formação nacional brasileira e, a partir do projeto modernizante da Revolução de Trinta, esse papel se reforçou mais ainda para tomar o caráter de dominância; o Estado chamou a si a responsabilidade quase que exclusiva pela construção da infra-estrutura, a modernização da economia, a operação do sistema financeiro e a gestão da inovação e da pesquisa, deixando aos setores privados, um papel de meros coadjuvantes. Em muitos aspectos, esse engrandecimento do papel do Estado levou a grandes equívocos, enormes desperdícios, muitas tolices e fomentou o caldo de cultura da corrupção, do favoritismo e do clientelismo; mas é absolutamente fora de dúvida que o país experimentou enorme aceleração em muitas áreas críticas exatamente porque, durante muitos anos, havia uma estratégia visível e inteligível de construção econômica e social nacional, algo que, de alguns anos para cá, se tornou cada vez mais difícil de vislumbrar. Não estou falando do regime militar e sim de um período que o precede (Vargas e o Plano de Metas de Juscelino especialmente) ou que se confunde com seus primeiros anos, especialmente o governo Castelo Branco.

Como conseqüência, o Estado brasileiro perdeu o rumo e o sentido de direção. Não compartilhamos mais de determinadas visões coletivas a respeito do processo de construção nacional simplesmente porque as elites governantes não têm se mostrado capazes de articulá-las e transformá-las em objetivos gerais a ser perseguidos com a mesma obsessão que JK perseguiu os cinqüenta anos em cinco e Ney Braga a integração territorial, sociopolítica e econômica de um estado que era um arquipélago de regiões desconectadas .

Uma outra razão certamente tem a ver com o descompasso entre o amadurecimento político e o desenvolvimento administrativo do país. Desde a redemocratização, nosso aprendizado político foi intenso e muitos dos fantasmas que povoaram o imaginário coletivo por décadas foram exorcizados, tais como o risco da iminente comunização do país ou, na direção oposta, da intervenção militar nos assuntos civis; ficamos mais confiantes em nós próprios e, a não ser nos ghettos políticos incorrigíveis na sua tacanhice granítica, não colocamos mais a culpa de todas as nossas mazelas no embaixador americano ou na ação das Sete Irmãs do petróleo; a opinião é livre, a imprensa não sofre qualquer tipo de coerção, a vida parlamentar e política flui com naturalidade e os cidadãos não experimentam qualquer restrição ao exercício de seus direitos civis. No entanto, em termos de gestão da coisa pública, o que experimentamos nos últimos vinte anos foi um retrocesso permanente e progressivo e o fortalecimento de práticas clientelistas típicas dos anos trinta e quarenta, que pareciam em processo de extinção: voltou o loteamento extensivo do governo e das estatais entre políticos e partidos e a institucionalização franca e desabrida do que antigamente se chamava de "advocacia administrativa" e que hoje responde pelo glamouroso nome de lobby; ninguém se escandaliza mais com o fato de que mais de vinte mil cargos da estrutura federal e vários milhares na estrutura do governo estadual sejam preenchidos pelo critério exclusivo da "confiança" daqueles que indicam seus ocupantes; estruturas técnicas, antes altamente profissionalizadas e notabilizadas por sua excelência foram entregues em holocausto a interesses ou convicções ideológicas de grupos e de pessoas. Em síntese, se aprendemos a viver em democracia, ainda não aprendemos a governar democraticamente, entendido o verbo no sentido exato de sua etimologia: dirigir, reger e não apenas ser conduzido pela dinâmica social imposta pelos grupos mais atuantes e organizados.

Mas, ao meu ver, há ainda uma última causa para o processo de degradação do aparelho estatal brasileiro e essa é o desaparecimento progressivo do estímulo para a carreira pública, que, com o tempo, passou a ser entendida, majoritariamente, como trampolim para jovens brilhantes se transformarem em prósperos banqueiros ou de pessoas em busca de bons contactos ou bons negócios. As carreiras eminentemente públicas não atraem mais ninguém, a não ser em casos especiais e as mães não fazem mais novenas para que as filhas se casem com alguém "que trabalhe no governo". E é por isso que a oferta dos Italos Contis é cada vez mais rarefeita. Uma pena.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado da FAE Business School e membro da Academia Paranaense de Letras.

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