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Os inúmeros contrastes políticos, econômicos e sociais historicamente sobrepostos aos países componentes do Mercosul, somados aos ataques mais recentes à caminhada para consolidação do bloco regional, vem acentuando a esse espaço regional, descaminhos cada vez mais concretos aos descalabros da integração econômica regional.

De fato, o problema sobre a real efetividade do Mercosul é político e econômico. Como aos demais sócios do bloco, a exceção do Brasil, o Paraguai passa por uma importante crise de insatisfação com o processo de integração regional, cujos benefícios tem-se revelados insuficientes perante o papel e poderio do Brasil, em privilegiar os interesses do lado monetário da economia em prejuízo do lado real (produtivo), mecanismo neoliberal utilizado para o approach do capital especulativo externo.

Isso vem colocando todos os integrantes do bloco em desvantagens comparativas e competitivas frente ao cenário econômico mundial, ainda que, após o "consenso" de Washington, essa engrenagem tornou-se a regra para a maioria dos países latino-americanos, o que demonstra, de um lado, a capacidade histórica imperialista dos Estados Unidos em desarticular quaisquer intenções em torno da integração econômica regional, por outro, a própria debilidade desses países em tratar de perto as questões integracionistas.

Diante desse fato, em termos comerciais, não se retira a importância que o Mercosul vem apresentando ao longo de sua nebulosa existência sociopolítica. A importância do Mercosul para o Paraguai é incontestável ao longo dos últimos 15 anos. Suas exportações totais, ao longo desse período, atingiram a média de US$ 980,07 milhões. Desse total, 51% foram destinadas ao bloco (US$ 499, 36 milhões em média). Somente para o Brasil, foram mais de 33% da média geral (US$ 326,07 milhões).

Pelo lado das importações, a realidade também não se mostra muito diferente. Para o mesmo período, o montante médio das importações foi de US$ 2.062 milhões, (apresentando um déficit médio de US$ 1.081,93 milhões), com o Mercosul participando nos últimos 15 anos, com mais de 50% sobre o total das importações (US$ 1.090 milhões). O Brasil nesse período importou mais de 30% da produção paraguaia, com mais de 600 milhões dólares.

Assim mesmo, diante da realidade econômica exposta, a procura pelo Paraguai por novos caminhos comerciais associa-se a interesses maiores que perpassam pelas crises sociais que demarcam a dura realidade do país. As maiores carências do Paraguai quanto às necessidades básicas encontram-se nas regiões mais ocidentais do país, onde a falta de acesso a infra-estrutura sanitária alcança níveis críticos, atingindo 86% da população. Os últimos números divulgados pelo Departamento de Estatística e Censos do Paraguai (DGEEC), agravam ainda mais esse quadro.

Segundo eles, considerando-se as 18 províncias, pouco mais de 10% da população paraguaia chega efetivamente à educação básica e intermediária; pouco mais de 40% vive em habitação com qualidade de vida e aproximadamente 15% com capacidade de subsistência.

Diante do exposto, a busca de uma nova estratégia de política externa por parte de Duarte Frutos, presidente do Paraguai, vem de encontro à "generosidade" dos Estados Unidos para com o Paraguai, em aumentar suas importações de açúcar produzido pelo país. Segundo o governo paraguaio, aí se dá o primeiro passo do prometido apoio americano à recuperação da economia paraguaia. Como contrapartida, o Paraguai abre as portas de sua soberania à instalação de uma base militar na região do Chaco (ampliação da base de Mariscal Estigarríbia) aos Estados Unidos. Com essa medida, o Paraguai permite que Washington ganhe poder de barganha dentro do bloco regional.

Em princípio, a preocupação inicial de Washington em vigiar a Tríplice Fronteira tem origem na crença de que a região é fonte de financiamento de ações terroristas, em segundo plano, controlar as ações de Hugo Chávez, de fato a aproximação dos dois países reflete de um lado, a preocupação dos Estados Unidos com a instabilidade política de Bolívia, Venezuela e Equador, de outro tornar o Paraguai a voz de Washington no Mercosul, capaz de revelar e articular as eventuais desavenças entre os principais membros do bloco. Fica a preocupação do Brasil e Argentina no sentido do acordo militar incluir cláusulas secretas que permitam a livre movimentação de tropas norte-americanas em toda a região fronteiriça apesar dos desmentidos das autoridades paraguaias.

Por trás dos bastidores políticos há os resultados da Declaração de "Guayana", ocorrido em fins de março de 2005 na Venezuela, que não poderia passar despercebido por Washington. A reunião entre Brasil, Colômbia, Espanha e Venezuela ratificou a visão que os Estados Unidos possuem sobre o a posição da esquerda na América Latina. Esta posição se reafirma quando Espanha vende armas para Venezuela no valor de US$ 1.300 milhão, sendo que este país já havia adquirido 100 mil fuzis de assalto e 40 helicópteros de combate da Rússia.

A preocupação dos Estados Unidos reflete questões ainda maiores. A Declaração de "Guayana" na realidade respalda tanto a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações – que une o Mercosul com a Comunidade Andina – como um apoio às iniciativas de Chávez a Petroamérica e Petrosul, o que propiciará a integração energética da região. Uma maior coordenação política e de iniciativas de integração econômica, na qual participariam os maiores países sul-americanos (Brasil e Argentina), levaria a um verdadeiro isolamento de Washington na região, o que comprometeria sua hegemonia mundial, com tendência a consolidar-se para longo período de tempo.

Outro aspecto que veio em favorecimento do Paraguai, como o novo articulador dos Estados Unidos para dentro da América do Sul, tem sido a crise política do atual governo brasileiro, ao mesmo tempo em que demonstra debilidade organizacional para a solução dos problemas mais reais, e que se encontra muito próximo das decisões tomadas por Hugo Chávez na condução de um modelo integracionista mais adequado para a América Latina, como a Alternativa Bolivariana para América (Alba).

Resta, por fim a questão: depois da "tempestade no deserto", seria essa, então, a mais nova "tormenta" norte-americana, agora, sobre a América do Sul?

Sérgio Luiz Lacerda é professor de Economia e de Negociação Internacional do Curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Curitiba e mestre em Integração Econômica para América Latina.

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