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Editorial

Estatuto rasgado

Petistas já foram expulsos do partido por muito menos que desviar milhões de reais dos cofres públicos, mas José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha devem permanecer na legenda

O artigo 231 do estatuto do PT prevê a pena de expulsão do partido para os filiados que, entre outros atos, tiverem "condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado." Desde o mês passado, petistas ilustres estão na categoria dos condenados em última instância – os mensaleiros José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha. A sentença ainda não transitou em julgado, mas o partido já adiantou: nada acontecerá ao quarteto, segundo o presidente da legenda, Rui Falcão. "Nenhum deles está incluído [na punição]. Não houve desvio administrativo. Quem aplica o estatuto somos nós. Nós interpretamos o estatuto", afirmou no dia 30 de outubro, tentando justificar como "interpretação" o ato de rasgar as regras partidárias.

A pizza intra muros já vinha sendo assada desde a condenação dos mensaleiros no Supremo Tribunal Federal. "Não houve uma iniciativa com vistas à exclusão desses companheiros do partido e o mais provável é que não haja, ainda que no estatuto esteja previsto", disse o senador Eduardo Suplicy ainda antes do segundo turno das eleições municipais. "Quem define as questões de encaminhamento sobre o estatuto é a Executiva. Eu não tenho opinião pessoal", afirmou Francisco Rocha, coordenador do Conselho de Ética do partido, tirando o corpo fora.

O contraste com outros partidos é claro: para citar apenas um evento recente, o Democratas só não expulsou o senador Demóstenes Torres pelo envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira porque o parlamentar se adiantou e pediu a desfiliação. E Torres nem chegou a ser condenado judicialmente como o foram Dirceu, Genoino, Delúbio e Cunha. Bastaram os fortes indícios, que foram muito além de uma simples denúncia, para que o partido iniciasse um processo interno contra o senador.

Aliás, petistas já foram expulsos do partido por muito menos que desviar milhões de reais dos cofres públicos. Em 2003, a senadora Heloísa Helena e os deputados João Batista (Babá), Luciana Genro e João Fontes foram desligados da legenda por votar contra o governo em assuntos como a reforma da Previdência. Em 2009, os punidos foram os deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso, cujo "crime" foi defender a vida desde a concepção – a descriminalização do aborto é plataforma partidária, reafirmada por resolução do 3.º Congresso Nacional do PT, em 2007. Eles não foram expulsos, mas tiveram seus direitos partidários cassados, e ambos acabaram saindo do partido por conta própria posteriormente. Vale a pena questionar que conduta foi mais grave: a dos mensaleiros ou a dos parlamentares rebeldes ou pró-vida?

Até o momento, ainda era concebível uma visão otimista que separasse o Partido dos Trabalhadores, como instituição, dos delitos cometidos por seus membros, ainda que tivessem posição de liderança dentro do partido. No artigo "O PT não é quadrilha", publicado nesta Gazeta do Povo em 25 de outubro, o sociólogo Demétrio Magnoli lembra que o partido tem uma história de 30 anos que se confunde com a odisseia da redemocratização brasileira. Essa história, no entanto, fica gravemente manchada com o perdão interno concedido aos mensaleiros.

A iniciativa de não aplicar as regras partidárias aos mensaleiros diz muito não apenas sobre Falcão, Suplicy ou Rocha, mas sobre o PT como um todo. Os líderes que agora rasgam o estatuto do partido para proteger Dirceu, Genoino, Delúbio e Cunha são eleitos de forma direta pelos filiados – muitos dos quais, incluindo personalidades de destaque dentro da legenda, nutrem um genuíno compromisso com a ética na política. Por isso, é preocupante a ausência de manifestações dentro do PT contrárias à anistia, um assunto em que calar é consentir.

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