Evo Morales assume seu terceiro mandato consecutivo como presidente da Bolívia. Nos seus dois primeiros mandatos, duas iniciativas de relevo foram marcantes. A primeira delas foi o Decreto 28.701, de 2006, através do qual os recursos naturais como o gás natural vendido ao Brasil deixaram de pertencer a empresas privadas e passaram para as mãos do Estado; as empresas que operavam no país tiveram de renegociar seus contratos e passaram a pagar uma parcela mais onerosa a título de impostos ao Estado boliviano, para permanecer operando no país. A segunda iniciativa foi a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, cujos trabalhos culminaram com a aprovação de uma nova carta magna em 2009. A nova Constituição, entre muitas outras inovações, incorporou direitos dos povos indígenas originários, proibiu a instalação de bases militares estrangeiras em território boliviano e determinou que toda atividade econômica passaria a ser regulada e dirigida pelo Estado.
As nacionalizações e a nova Constituição atenderam às demandas de grande parte dos grupos que formaram a base de apoio de Evo Morales nas eleições de 2005 e de 2009, principalmente os movimentos sociais formados pelos indígenas, cocaleiros e campesinos, além das entidades de representação dos trabalhadores. Além disso, fortaleceram o Estado do ponto de vista econômico e institucional, tornando o Poder Executivo o ator de maior peso na política do país.
Ao mesmo tempo, a Bolívia teve um crescimento constante do PIB, com uma média de 4,6% ao ano entre 2006 e 2014, sempre acima da média dos países latino-americanos. Utilizando as verbas provenientes do aumento do preço e dos impostos da venda do gás natural, foram realizados programas de distribuição de renda e de redução das desigualdades sociais e econômicas. A população na faixa da pobreza caiu de 59% para 45% e, na faixa da extrema pobreza, diminuiu de 37% para 21%, fatos que ajudaram na conquista de cerca de 61% dos votos na eleição de outubro de 2014.
Para o terceiro mandato, Morales terá alguns desafios a enfrentar. Em 2019 termina o contrato de venda de gás natural ao Brasil e Evo terá de sentar à mesa para negociar um novo acordo. Desde a nacionalização de 2006, o Brasil investiu na diversificação de sua provisão neste insumo e, com isso, estará menos vulnerável para as negociações em 2019 do que estava em 2006, ao passo que a Bolívia aumentou sua dependência das exportações de gás.
Outro desafio é a política de industrialização de recursos naturais como o lítio, o estanho e o zinco, iniciada em seu primeiro governo e que tem obtido até agora resultados ainda discretos. Considerando que a Bolívia não possui tecnologia e recursos próprios para o desenvolvimento de uma indústria nacional, a parceria com capital e tecnologia estrangeira surge como opção. Morales fica entre a cruz e a espada, pois a utilização de capital estrangeiro privado pode viabilizar a industrialização, mas ao mesmo tempo tem potencial para enfraquecer parte da base de apoio político do governo, contrária ao alinhamento às instituições privadas externas. A redução da dependência externa, a industrialização e a manutenção da base política interna de apoio são elementos que permearão as decisões do governo boliviano entre 2015 e 2020 e o grande desafio de Evo será equacionar suas decisões políticas e econômicas nesses temas.
Marcelino Teixeira Lisboa, mestre em Ciência Política pela UFPR, é professor de Relações Internacionais e Integração na Unila e pesquisa sobre a política dos países andinos.
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