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O Executivo e o Legislativo estão atuando para atropelar o processo normal de fazer leis no país. E isso não faz bem para a democracia respeitável que precisamos construir

Que há excesso na edição de medidas provisórias ninguém contesta. Que o Executivo, ao editá-las com tanta frequência, atropela as prerrogativas constitucionais que competem ao Legislativo, também ninguém duvida. Que todos sabem que as MPs, na maioria dos casos, bem poderiam ser propostas como anteprojetos de lei e, daí, ter regular tramitação no Congresso. Entretanto, apesar de tudo, o governo insiste no repetitivo método de quebrar as regras da boa e sã separação e harmonia entre os poderes para exagerar no uso de um instrumento criado para ser exceção.

Pois agora, como fruto do acaso e do aproveitamento oportunista, o governo se vê vítima do próprio veneno: na semana passada, duas importantes medidas provisórias perderam eficácia porque o Congresso não as votou no prazo de 120 dias a partir da sua edição. Uma delas dizia respeito à redução das tarifas de energia elétrica; outra, à desoneração da folha de pagamento de vários setores estratégicos da economia.

Em ambos os casos, a votação não se deu porque o presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu cumprir a promessa de não colocar em pauta MPs que não chegassem à Casa com pelo menos sete dias antes do prazo final. Recusou-se a rebaixar o Senado à condição de simples repartição encarregada de apor o carimbo de aprovação sobre matéria que nem sequer discutiu – como ocorreu no emblemático episódio de, nos instantes finais, "salvar" a Medida Provisória dos Portos, há três semanas.

Se, de um lado, não há que se repreender do ponto de vista institucional a decisão de Calheiros, de outro é necessário lembrar que períodos pré-eleitorais costumam inspirar a criação de dificuldades para a venda de vantagens – prática do toma-lá-dá-cá que, lamentavelmente, prevalece nas relações entre Executivo e Legislativo nas últimas décadas. Tal prática ficou evidente quando da polêmica votação da mesma MP dos Portos na Câmara Federal, durante a qual o governo, para garantir sua aprovação, se viu forçado a "negociar" com aliados que ameaçavam rebelião. Mesmo assim, constatou-se que boa parte dos votos contrários partiu de representantes da base governista, especialmente na bancada do PMDB, partido do senador Renan Calheiros.

Da dificuldade imposta pelo Senado, no entanto, o governo pode tirar lições. A principal delas é a de que precisa apelar menos à edição de medidas provisórias desnecessárias, de modo a se libertar da condição de refém do Congresso cada vez que as propõe. Outra é, ao substituí-las por anteprojetos de lei, dar a si mesmo e ao Congresso maior respeito e dignidade. A lição serve também para a Câmara Federal, porta de entrada das MPs, que gasta tempo excessivo para discuti-las e entregá-las ao Senado para o debate e votação finais.

E o que fazer quando uma medida provisória perde efeito por decurso de prazo? O governo, no caso daquela que previa a redução das contas de luz, achou logo um jeito: baixou um decreto "provisório" enquanto trabalha agora para embutir em outra MP já em tramitação o mesmo conteúdo da primeira. Assim, de MP em MP, Executivo e Legislativo vão atuando, em marcha acelerada, para atropelar o processo normal de fazer leis no país. Não faz bem para a democracia respeitável que precisamos construir.

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