As medidas provisórias deveriam ser um meio legal de enfrentar situações de urgência e não uma forma de o Executivo se sobrepor ao papel do Congresso de editar normas legais
Mais duas medidas provisórias têm até a próxima segunda-feira para serem aprovadas pelo Congresso para que não percam sua validade. São MPs importantes para empregadores e empresas energéticas: uma delas amplia a desoneração da folha de salários; a outra permite a compensação de descontos concedidos pelo governo em janeiro para viabilizar a redução das tarifas de energia. As votações são um novo teste de fidelidade na relação entre o Executivo e os partidos da base aliada no Legislativo. Mais do que isso, refletem as distorções institucionais que nasceram a partir da criação, pela Constituição de 1988, do instrumento da medida provisória.
Quando os constituintes instituíram as medidas provisórias tinham em vista conceder ao Poder Executivo uma prerrogativa de natureza legislativa para impor rapidez aos seus atos em matérias urgentes e de grande relevância, dispensando-o de submeter ao Congresso anteprojetos de lei de demorada tramitação. Visava, enfim, garantir ao governo um meio legal de enfrentar determinadas situações de urgência ou emergência e que, portanto, exigissem pronta ação.
Nascida sob o influxo do movimento de redemocratização após duas décadas de regime militar, a nova Constituição, ao instituir o dispositivo, não quis criar um arremedo dos decretos-leis de que se valiam os generais-presidentes para impor sua vontade imperial. Tanto que lhes deu um nome autoexplicativo isso é, as MPs deveriam ter caráter provisório e só teriam efeito perene depois de submetidas e aprovadas pelo Congresso dentro de curto prazo após sua publicação. Se desaprovadas, seus efeitos pretéritos seriam também cancelados.
Entretanto, não tem sido esse exatamente o espírito que os presidentes da República têm resguardado para exercer a prerrogativa (provisória) de legislar. Ao contrário, invariavelmente revelaram ao longo do tempo a disposição de se sobrepor ao papel constitucional do Congresso de editar normas legais. Embora cumpram a formalidade de submeter as MPs às Casas Legislativas, os presidentes têm se valido da obediência da bancada governista, não poucas vezes "convencida" em dar voto favorável mediante acordos fisiológicos.
Ainda há poucos dias o país testemunhou o embate que se deu no Congresso na discussão para a aprovação da MP dos Portos. Se, de um lado, a diminuta oposição de deputados na Câmara Federal se utilizou ao máximo de processos regimentais de obstrução, por outro, os situacionistas deixaram em evidência a tentativa de criar dificuldades para conseguir facilidades. O resultado final foi a aprovação por grande maioria da proposta do Executivo, com poucas alterações.
O afogadilho da votação que exigiu 43 horas de quase consecutivas sessões que varavam pela madrugada devia-se ao fato de a MP estar prestes a perder sua validade, devendo ser ainda votada no Senado no último minuto do prazo final. Deu-se no Senado, salvo algumas resistências oposicionistas, a costumeira postura de genuflexão da Casa diante dos desejos do Palácio do Planalto, aprovando-a por ampla maioria. Na ocasião, visando dar a aparência de que estaria disposto a preservar a dignidade da Casa, o presidente do Senado, Renan Calheiros, afirmou de que não mais aceitaria colocar em pauta medidas provisórias que não chegassem com pelo menos sete dias de antecedência.
Pois agora a situação se repete. As duas novas medidas provisórias propostas pela presidente Dilma Rousseff chegarão ao Senado já nos seus estertores. E Renan parece estar disposto a cumprir a promessa, conforme noticiou a imprensa ontem.