O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ontem a um de seus mais diletos temas de exercício retórico a fome. Em discurso durante solenidade comemorativa aos 60 anos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, disse ele que "a fome não é um problema econômico, não é um problema de produção de alimentos ou tecnológico. É um problema eminentemente político". E completou com frase adequada ao momento brasileiro: "É preciso dar exemplo de severidade, honestidade, ética, para merecer olhares solidários de milhões que gostariam de contribuir para os países mais pobres, mas que têm medo de contribuir e ver que o seu dinheiro não vai cumprir a finalidade para a qual foi mandado".
Lula tem razão em tudo o que disse, mas não foi completo. Esqueceu de acrescentar à lista de atributos necessários à conquista do respeito e da solidariedade alheias de que se exige também dos governantes que demonstrem alta qualidade na gerência dos recursos públicos sob sua responsabilidade. A solução do problema da fome também depende dessa capacidade e, com certeza, não é por apresentar a virtude da boa gestão que o atual governo passará à história.
Gerir bem os recursos públicos é saber aplicá-los convenientemente, de acordo com projetos coerentes com grandes metas nacionais, claramente definidas em um programa de desenvolvimento de longo prazo. É saber aplicá-los de modo a que se reproduzam na forma de benefícios eqüitativamente distribuídos para toda a coletividade, reduzindo-se as desigualdades e democratizando as oportunidades de acesso aos bens essenciais alimentação, moradia, educação, saúde e segurança.
O Brasil sofre exatamente pela má gestão da riqueza. E, por isso, imensas camadas da população vivem debaixo do estigma da fome e da marginalização. Tem razão o presidente ao afirmar que a fome não é um problema de produção de alimentos ou tecnológico: o país detém grandes áreas férteis e o produtor rural, indiscutível competência técnica para produzir sempre mais e melhor.
Entretanto, a má gestão dos recursos públicos coloca os êxitos alcançados sob permanente ameaça. É o caso, por exemplo, do triste episódio da febre aftosa a que vimos assistindo nos últimos dias. A competência dos pecuaristas já havia colocado o país na condição de maior exportador mundial de carne, comércio que fez render mais de US$ 5 bilhões no ano passado. O governo, no entanto, não fez sua parte: cortou verbas e comprometeu a fiscalização sanitária dos rebanhos, abrindo a porta para a volta da doença que já se considerava extinta no território nacional.
Por conta disso, o país amargará prejuízo superior a US$ 1 bilhão em exportações. Frigoríficos e laticínios estão interrompendo suas atividades e empregos estão sendo cortados, com reflexos diretos e indiretos sobre outros segmentos da economia. Concluindo: ficamos mais longe de vencer o problema da fome, a grande bandeira que o presidente Lula agita nos solenes fóruns mundiais.