Mestre da sabedoria mineira na sua manha e malícia, o sábio Tancredo Neves costuma repetir o ditado que ensina que "ganhar perdendo", em política como na vida, é o pior dos resultados.
No vexaminoso vale-tudo da briga para presidente da Câmara, digna do renunciante Severino Cavalcanti, não se pode negar a evidência que o governo ganhou, pela escassa diferença de 15 votos 258 a 243 no segundo turno, depois do empate no primeiro, emplacando a eleição do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), um aliado com folha de bons serviços prestados como articulador político e ministro da Defesa.O aparente paradoxo da vitória com o sabor amargo das contradições, vem sendo construído, pedra por pedra, desde que o governo começou a ser montado pela inexperiência calamitosa do presidente Lula, na seqüência de erros primários até o estouro do escândalo da corrupção.
Na zonzeira assanhada das compreensíveis comemorações, os vencedores saboreiam as batatas e procuram justificar os tropeções éticos da ofensiva oficial para amolecer resistência e virar votos com a larga utilização dos métodos da barganha indecorosa, a oferta de vantagens, a liberação de verbas, acertos por baixo do pano com a alegação que os outros sempre apelaram para os mesmos expedientes.
O que não deixa de ser verdade. Nunca, entretanto, com tal desembaraço e ostensivo despudor. Escancarada a porta, armado o balcão, o governo não aprovará nada no Congresso sem negociar voto por voto, pagando o preço no atacado e no varejo.
Um pouco de tolerância com as fraquezas humanas, reconheceria no presidente, no governo e no PT farinhas do mesmo saco, confundidos na paçoca que engasga o país a fagulha de criatividade e talento de autênticos renovadores de adágios burilados pela esperteza popular ou das frases cunhadas com os requintes intelectuais por escritores e líderes políticos, nos momentos de inspiração.
Lula virou as costas aos compromissos de campanha e iniciou a marcha a ré na montagem do governo com o erro fatal da transformação do ministério em cortiço, com cômodos separados por tabique para abrigar os companheiros maltratados pelo voto. O paquiderme empacou e não saiu do atoleiro, embaraçado na superposição de funções e paralisado pela obesidade doentia e incurável.
A cambalhota na política econômica do convertido ao neoliberalismo, com a adoração ao mercado da nova fé e o respeito devoto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) provocou a primeira crise no PT, desembocando no racha, com a saída e expulsão dos dissidentes e a criação do Psol, a opção com fôlego para crescer por conta própria e como a acolhida dos que, em fila, abandonam o ninho, escarmentados pela coceira provocada pela invasão dos piolhos.
Os deuses castigam os que deles zombam. O deputado José Dirceu, ora em risonha fase de esperanças de escapar das trapalhadas em que se enrascou com a vitória do aliado de fé na presidência da Câmara, repetia como realejo nos áureos tempos de manda-chuva do Planalto que "o governo não rouba, nem deixa roubar". Queimou a língua com o emporcalhamento do PT na maior gatunagem de todos os tempos, salpicando lama no governo, com respingos no gabinete presidencial.
Por tal atalho esbarramos no estafado refrão rouba mas faz que acompanhou por toda a vida o falecido Adhemar de Barros, inesquecível criador do populismo. Pois é hora de cunhar em bronze o "rouba mas não faz" para a consagração do mensalão e seus poderes miraculosos, largamente comprovados na cabala de Lula e de ministros para a cooptação dos indecisos e a virada de votos do sucesso no segundo turno.
Que o governo não faz não é novidade. Na barraca palaciana, do mais de R$ 1 bilhão do rateio entre a trinca PTB, PP e PL da bancada do mensalão, R$ 800 milhões da farra da liberação de verbas foi abocanhado pelo Ministério dos Transportes, sob o comando do ministro Alfredo Nascimento, ornamento do PL, para tapar a buraqueira dos 78% intransitáveis da rede rodoviária, largada às traças nos dois anos e nove meses do mandato de Lula.
Pelos cálculos dos técnicos serão necessários R$ 12 bilhões para recuperar o desleixo do governo que nada fez e tampou os olhos para não enxergar o carnaval da corrupção.
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