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Nestes tempos de aviltamento e descrédito das instituições, avulta a personalidade de Getúlio Vargas, que governou o Brasil por 19 anos e dedicou-se à política durante 37 anos (governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda, deputado estadual e federal, senador), deixando exemplos de honorabilidade, virtudes republicanas e total consagração aos interesses do povo e da Nação.

Os 51 anos decorridos do suicídio do estadista – o mais trágico episódio da História nacional – revelaram de maneira inquestionável que os filhos de D. Darcy e de Getúlio (Lutero, médico; Alzira, advogada; Jandira, do lar; Manoel, engenheiro agrônomo) não acumularam bens materiais, como também seus irmãos Viriato, Protásio, Espártaco e Benjamim. Na verdade, Getúlio zelou com pulso firme pela integridade dos cofres públicos nos longos anos de poder, sendo 15 de regime autoritário, exceto na vigência da Constituição de 1934 até 10 de novembro de 1937, início do Estado Novo que perdurou até 29 de outubro de 1945, quando as Forças Armadas o depuseram.

A revista O Cruzeiro, que fazia parte da rede de jornais e rádios denominada Diários Associados, quase quatro anos após a morte de Vargas, mandou à sua terra natal, São Borja, RS, um de seus melhores jornalistas, Arlindo Silva, para fazer reportagem (publicada dia 19.4.1958) sobre o inventário do ex-presidente.No derradeiro mandato getulista (1951 a 1954), os Diários Associados fizeram feroz e implacável oposição, com virulentos ataques pessoais ao chefe da Nação, e certamente estavam ávidos de divulgar que Vargas juntara fortuna no lapso em que administrou o país, a partir da vitoriosa Revolução de 1930.

Quedaram-se frustrados, pois o inventário de Getúlio Vargas mostrava que ele possuía as mesmas propriedades de quando assumiu o poder, herança de seus pais, acrescidas de um apartamento no Morro da Viúva, Rio de Janeiro, adquirido com financiamento da Caixa Econômica Federal.

Em matéria de sete páginas, a revista O Cruzeiro esmiuçou os haveres de Vargas e reconheceu sua absoluta honestidade. Quando o corpo ensangüentado de Vargas, com o coração dilacerado pelo tiro que ele mesmo disparou, foi encontrado no Palácio do Catete, na manhã de 24 de agosto de 1954, todos puderam observar a extrema simplicidade dos seus aposentos, que até hoje podem ser vistos intactos no Museu da República, RJ.

A única CPI no governo Vargas (arquivada por inconsistência) teve por motivo o jornal Última Hora, fundado por Samuel Wainer em 1951, com financiamento do Banco do Brasil, que revolucionou a imprensa, impresso em cores, paginação moderna, articulistas de renome, colunas com notícias de sindicatos, valorização da classe jornalística através de salários condizentes pagos em dia, e, naturalmente, defesa apaixonada da linha nacionalista de Vargas, que criou a Petrobrás, o BNDE(S), o Banco do Nordeste, anunciou a Eletrobrás e aumentou o salário mínimo em 100%, embora atendesse à exigência do "Manifesto dos Coronéis", demitindo João Goulart do Ministério do Trabalho.

Na fase anterior (1930 a 1945), Getúlio tinha decretado o Código de Minas (subsolo da União), criado a Cia. Siderúrgica Nacional de Volta Redonda e a Cia. Vale do Rio Doce e outorgado a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A verdade insofismável é que o principal fator desencadeante da deposição de Getúlio em 1945 e da crise político-militar que o levou ao sacrifício da própria vida em 1954 foi sua política nacionalista do petróleo, conforme descrito no livro sobre Nelson Rockfeler, o "rei do petróleo norte-americano", escrito pelos jornalistas Gerard Colby com Charlotte Dennett, tradução de Jamari França, baseado em documentos do Departamento de Estado dos EUA (Editora Record, 1998).

O extremo gesto de auto-imolação interrompeu a festa na residência do vice-presidente Café Filho, onde os golpistas comemoravam a "licença" de Vargas da Presidência da República, que seria para sempre e, porquanto, não permitiriam sua volta.

"Aos que pensam que me derrotaram, respondo com minha vitória",escreveu Vargas na sua carta-testamento. Mais impactante ainda: Quis criar a potencialização de nossas riquezas através da Petrobrás e mal esta começou a funcionar a onda de agitação se avoluma". "A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero".

Foram tão fortes suas palavras grandiloqüentes, que nem seu sucessor nem os presidentes seguintes tiveram a audácia de privatizar a Petrobrás, que em dezembro de 2005 conquistará a definitiva auto-suficiência na produção de petróleo, tampouco a Eletrobrás responsável pela construção de Itaipu, Tucuruí e de outras hidrelétricas gigantes.

Lamentável que grande número de nossos livros didáticos de História, por puro preconceito de seus autores, não publiquem a carta-testamento de Getúlio Vargas, escrita com o próprio sangue do personagem que fincou os alicerces do Brasil moderno economicamente e do caminho para uma sociedade fraterna e igualitária. Algumas obras omitem até a existência da carta-testamento.

Bem se houve o ex-presidente Itamar Franco, que determinou ao Ministério da Educação imprimir a carta-testamento para distribuição em todas as escolas públicas do país. Em contraste, Fernando Henrique Cardoso, no discurso de despedida do Senado, proclamou o fim da "Era Vargas".

Getúlio jamais será esquecido, não só pela sua monumental ação administrativa, mas igualmente pelas lições e atos de patriotismo, coragem pessoal e cívica, devotamento aos trabalhadores e ao povo e inequívoca honradez e dignidade pessoal.

Léo de Almeida Neves é ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros "Destino do Brasil: Potência Mundial" (Editora Graal, RJ, 1995) e "Vivência de Fatos Históricos" (Editora Paz e Terra, SP, 2002).

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