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 | Ilustração: Gilberto Yamamoto
| Foto: Ilustração: Gilberto Yamamoto

No ponto de ônibus todos se encolhem para escapar da chuva que o vento faz cair na horizontal, como se fosse rio flutuante. Os guarda-chuvas estão virados do avesso e de repente o moço exclama: "Olha, tá chovendo granito!" O teto metálico do abrigo, que não abriga, parece estar sob metralha de guerra e o barulho dificulta conversar, mas todos se animam com a beleza das pedras que saltitam no asfalto, se amontoam na guia, e proseiam como se fossem velhos amigos, contando causos de pedras que romperam telhas, amassaram carros, derrubaram árvores. Curitibanamente, espero ouvir alguém corrigir o moço e dizer que as pedras de gelo que caem do céu são granizo. Decepcionado quando a senhora, que teve o vestido tão virado pelo vento quanto a sombrinha, diz que o granito estraga a plantação, me abstenho da mania de perfeição e fico quietinho.

O ônibus chega açoitado pelo vento e dá o banho adicional que faltava. A bordo gente falando sobre as pedras e ouço granito e granizo vindo de todos os lados. Esforçando-me para deixar a fixação à margem, entro na assustada leveza da emoção que motiva as pessoas a conversarem e digo que no dia seguinte haverá poucos passarinhos porque muitos morreram alvejados pelas pedras. Ninguém contesta ou comenta, mas sinto que a minha observação afundou os ânimos e o clima se assemelha a um velório. Parece que perceberam a faceta trágica dessa beleza. Silencia-se o ambiente e o ronco do motor invade a cabine. A conversa cessa, todos voltam a ser apenas estranhos espremidos num ônibus fechado, com os vidros embaçados. Depois de ter matado o colóquio, fico mais acabrunhado e tenho vontade de descer no ponto seguinte, com vergonha da minha desastrada locução.

Quis ser simpático e não ceder ao impulso de corrigir as pessoas que falavam sobre a chuva de granito; acabei sendo o sujeito que trouxe à lembrança o dia seguinte. Sempre o dia seguinte, cobrando os excessos da véspera. Esfrego a manga da camisa no vidro e olho para fora. O chão está repleto de folhas, grimpas, galhos pequenos. O trânsito, que não transita, mais lento que a lentidão ordinária. O homem que põe as mãos na cabeça e olha angustiado para o carro debaixo de uma árvore parece cena de cinema. Nenhuma palavra, só o gesto. Surpresa, desespero? Lembrança do boleto com a prestação do seguro que ficou esquecido sobre o balcão da cozinha e não foi pago?

Não sei da vida de cada pessoa que vejo. Sou passageiro, apenas testemunha da cidade que se esfarrapa diante da força da natureza. A voz do Dinho Ouro Preto soa na caixa de som do cérebro, dizendo que estou seguro ali, conhecendo o mundo pelo vidro do carro.

A ideia fixa volta e começo a pensar na palavra granizo. Grãozinho. É isso! Mas granito também é, numa alusão àqueles pontinhos mais claros que parecem grãos. Sutilezas do idioma que permitiu a interação de pessoas deslumbradas com a força do céu que ladrilhou as ruas com pedrinhas de brilhante. Agora estão todos amuados, exaustos, enquanto as manadas de carros se movimentam passo a passo.

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