No dia 8 de outubro, o Brasil tomou conhecimento, por carta dirigida ao governo e à Justiça Federal, de uma declaração de "morte coletiva" de 170 homens, mulheres e crianças da etnia indígena guarani-kaiowá, em resposta a uma ordem de despejo decretada pela Justiça de Naviraí (MS), onde estão acampados às margens do Rio Hovy, aguardando a demarcação das suas terras tradicionais, ocupadas por fazendeiros e vigiadas por pistoleiros.

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Trata-se de um ato de desespero em resposta ao que os guarani-kaiowá chamaram de "ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena" no decorrer de sua história. Em tentativas de recuperação de suas terras, já foram atacados por pistoleiros, sofreram maus-tratos e espancamentos; mulheres, velhos e crianças tiveram braços e pernas fraturados, e líderes foram assassinados.

Agora, os índios pedem que, em vez de uma ordem de expulsão, o governo e a Justiça Federal decretem sua "dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos". No dia 30 de outubro, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos informou que o governo federal conseguiu suspender a liminar que expulsava os índios de sua terra natal.

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Em artigo contundente, Eliane Brum relembra que a história dos guarani-kaiowá é a história da ocupação de suas terras pelos brancos e de seu confinamento em reservas, dentro da percepção de que terra ocupada por índios é terra de ninguém. Com a chegada dos colonos, os indígenas passaram a ter três destinos: as reservas, o trabalho semiescravo nas fazendas ou a fuga para a mata. Durante a ditadura militar, a colonização do Mato Grosso do Sul se intensificou, trazendo muitos sulistas para ocupar a terra dos índios. Com a redemocratização do país e a Constituição de 1988, abriram-se esperanças de que os territórios indígenas fossem demarcados em cinco anos, o que não aconteceu em razão das pressões dos grandes proprietários de terras e do agronegócio.

A situação dos guarani-kaiowá, segundo grupo mais numeroso do país, é considerada a mais grave. Confinados em reservas como a de Dourados, encontram-se em situação de catástrofe humanitária: além da desnutrição infantil e do alcoolismo, os índices de homicídio são maiores que em zonas em guerra, como o Iraque. Comparado à média brasileira, o índice de homicídios da reserva de Dourados é 495% maior. Os índices de suicídio estão entre os mais altos do mundo: enquanto a média do Brasil é de 5,7 por 100 mil habitantes, nessa comunidade indígena supera os 100 por 100 mil habitantes. Pesquisadores identificam na falta de perspectivas de futuro as causas da tragédia.

A indignidade que permeia a vida dos guarani-kaiowá é ultrajante; vivem uma guerra civil no Brasil rural. Como pano de fundo está a questão cultural que identifica nos indígenas uma primitividade inadmissível no século 21 e, portanto, um entrave ao desenvolvimento econômico que deve ser removido. Dessa forma, ignora-se a imensidão de riquezas culturais e de conhecimentos tradicionais dos primeiros habitantes das Américas.

O ex-presidente Lula reconheceu que ficou em dívida com os guarani-kaiowá. É imperioso que o Brasil da presidente Dilma seja realmente "um país de todos", e reconheça o direito de existência daquele povo, bem como seu direito à alimentação, à saúde, à moradia digna e à preservação de seu patrimônio cultural.

Larissa Ramina é professora de Direito Internacional da UFPR e da UniBrasil.

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