Monotemáticos, monocórdicos, monopartidários, monocráticos, monofóbicos, monopolistas, monomaníacos e distraídos. Ofereceram-nos um brinquedo e não conseguimos pensar em outros, até mais fascinantes.
As divindades que habitam o olimpo político nos brindaram com um jogo capaz de destrinchar uma vasta gama de enigmas e enredos, mas só conseguimos nos fixar num game monodramático, embora protagonizado pelos 38 acusados de participar do esquema do mensalão. Ou da "Ação Penal Quatro-Sete-Zero".
Enquanto no cenáculo do Poder Judiciário famosos criminalistas esgrimem seus dotes retóricos para minimizar feitos e malfeitos dos clientes, e acusadores esfalfam-se na inglória tarefa de aproximar a moralidade do Código Penal, os demais poderes parecem mesmerizados e esquecidos dos respectivos deveres e agendas.
Neste exato momento é bem possível que em Legislativos e Executivos deste país-continente estejam funcionando robustos esquemas de caixa dois e caixinhas para compra de votos com recursos públicos, propinodutos ou branqueamento de fichas-sujas e dinheiro imundo. Ninguém repara porque o país dos bacharéis se judicializou integralmente: em uníssono só fala e só pensa naquilo o julgamento.
Elites políticas, governantes, parlamentares, acadêmicos e jornalistas estão robotizados pelo suspense que se irradia do filme rodado na suprema corte. A própria Justiça Eleitoral parece viver em outro planeta, sem perceber que o crime do caixa dois pode parecer venial, mas é capital porque ameaça o próprio sistema representativo, a democracia e o Estado de direito.
O país precisa se preparar para o day after quaisquer que sejam as 38 sentenças proferidas pelos meritíssimos. Se este é um julgamento com forte conotação cívica, didática e tem potencial para funcionar como divisor de águas, será imperioso que outras esferas da sociedade brasileira comecem a se movimentar para evitar a proliferação de mensalões ou ações penais assemelhadas. Nossa capacidade de copiar, piratear e produzir réplicas é incomensurável. A prova disso está na existência comprovada de escândalos com características de mensalões envolvendo três partidos PSDB, PT e DEM (pela ordem cronológica).
É urgente a discussão sobre financiamento público das campanhas eleitorais, limitação do número de partidos para evitar as pequenas siglas de aluguel (como o antigo PL de Valdemar da Costa Neto) e a chantagem na formação de maiorias parlamentares. Atrás desta enorme charge política em exibição a partir de 2 de agosto no telão chamado Realidade Brasileira, esconde-se um sistema eleitoral defasado, roto, mambembe, que precisará ser refeito por todos, independentemente da polarização e das paixões que serão despertadas pelos veredictos do Supremo.
O Estado brasileiro, nele compreendido o seu formidável aparato econômico, ressente-se desta estrutura tão vulnerável aos trambiques. Delirantes projetos de poder produziram apenas este voyeurismo pseudomoralizador que rouba as energias, o tempo e, sobretudo, solapa as esperanças daqueles que deveriam estar empenhados em reformas e inovação.
A administração da justiça é um belíssimo espetáculo. Mas há outros, muitos, mais empolgantes.
Alberto Dines é jornalista.
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