Convencido de que bebida alcoólica ao alcance da população provoca aumento da criminalidade, que espera ver reduzida com o fechamento dos bares após 22 horas, mudando-se o hábito urbano noturno da cachaça e da cerveja, o prefeito José Serra celebrou um acordo para a adoção da lei seca na periferia da capital.

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A medida, já implementada com sucesso em outras cidades (o caso mais emblemático é o de Diadema, no ABC paulista, que viu despencar os índices de homicídios a partir da lei seca) parte da idéia de que assaltos, latrocínios e homicídios ocorrem mais em função de bebida – ou do excesso de – que da falta de um policiamento ostensivo que garanta a segurança pública nos bairros mais violentos da cidade.

O prefeito tem razão: governando uma megalópole em que parte da população não se beneficia dos padrões de consumo e tecnologia do Brasil mais desenvolvido, a violência pode ser agravada pela sofreguidão com que muitos se atiram à bebida alcoólica no fim do dia.

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Mas o fechamento dos bares após 22 horas só levará à redução drástica da violência se acompanhado de políticas preventivas e ostensivas de segurança, que assegurem o livre trânsito de adultos e crianças pelas ruas dos bairros. Ausência de segurança, de iluminação pública, de ruas calçadas, de moradias seguras, de saneamento básico são instrumentos de exclusão social, contexto em que a bebida aparece como lenitivo ou consolo.

O que ocorre na periferia de São Paulo, do ABC e de outras capitais – até no Piauí se resolveu deflagrar operação semelhante, batizada de Boa Noite, Teresina – nada mais é do que uma pequena amostra da crise nacional, que coloca a descoberto o desamparo do cidadão e da sua família. Essa crise põe a nu a necessidade de os governos encararem com mais coragem a emergência de uma cultura urbana que, se hoje está mais voltada à pinga e à cerveja do que à escola, a ponto de ser objeto de leis secas que pipocam em vários pontos do território nacional, é porque ao cidadão, especialmente aos jovens, não se oferece outros estímulos.

Em Nova Iorque, a instalação de centenas de quadras de basquete permanentemente à disposição dos jovens, inclusive durante toda a noite, nos bairros periféricos, foi um importante fator na redução da criminalidade do programa Tolerância Zero. A situação da periferia de nossas grandes cidades não é muito diferente: aos baixos salários, desemprego e poucas oportunidades de ascensão social, soma-se a absoluta falta de lazer para os jovens e adolescentes, que, sem perspectivas, são levados para os caminhos mais tortuosos.

Em São Paulo, a idéia é implantar a lei seca, mas por acordo com os donos dos bares, nos turbulentos bairros de Jardim Ângela e do Jardim São Luiz, na zona sul da capital, e estendê-la para outras três regiões até o fim do ano.

Mas por que essa iniciativa, em vez de focar os bairros de classe média da zona sul, se centrou apenas nos bairros periféricos, pobres e carentes dessa mesma região, que amadureceram como retratos culturais e físicos da experiência urbana e pluralística da capital e da má distribuição de renda do país?

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Segundo o prefeito, é porque "o alcoolismo é fator fundamental para desencadear homicídios"; para a Polícia Militar, porque 91% dos casos de homicídios na zona sul ocorrem perto dos bares da periferia dessa região, com 56% desse total entre 21 e 6 horas.

Mas o que desencadearia o consumo excessivo de bebida, além da falta de segurança pública, do descaso em relação ao tráfico de drogas, do medo que assalta a população e da vida miserável nas favelas e cortiços? Que grau de responsabilidade pública têm as autoridades, incluídas o governo dos estados, prefeituras, e os donos de bares, que vendem sistematicamente bebida a menores?

Se, efetivamente, reduzir a violência e a criminalidade na periferia, a lei seca paulistana contribuirá para devolver um pouco de paz aos bairros mais pobres da capital, um primeiro passo para melhorar a qualidade de vida nas regiões mais carentes.

Mas todos nós precisamos estar conscientes de que não são apenas leis secas que abolirão as privações que, na maioria dos casos, conduzem aos bares e aos crimes. Esse círculo vicioso só será rompido com pesados investimentos em educação, saúde, transporte, o que só ocorrerá quando os governantes de todos os níveis de poderes se mostrarem sensíveis aos problemas da população.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e de Assuntos Corporativos e Jurídicos do Santander Banespa.

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