O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está levando longe demais a sua tática de isolamento da crise de corrupção em que se afoga o seu governo.
Está a um passo da oposição e de enveredar pelo atalho do ridículo. Nos primeiros lances para escapar do envolvimento na enxurrada de denúncias das bandalheiras do financiamento eleitoral, com as manobras do caixa dois e da compra do mandato e aluguel de deputados e senadores com as fortunas arrecadadas pelo Delúbio Soares, como tesoureiro do PT, abriu a trilha para sair da reta. Armou duas jogadas paralelas: afastou-se do Partido dos Trabalhadores como se nada tivesse a ver com a decomposição da legenda, afundada no pântano da podridão e, ao mesmo tempo, com a meia-sola da troca de alguns ministros e secretários na falsa reforma ministerial, aproveitou a demissão do deputado José Dirceu da chefia do Gabinete Civil, para entronizar a ministra Dilma Rousseff, de Minas e Energia na vaga de eminência parda. Liberto de cobranças, sacudiu a poeira, passou ao largo do constrangimento ético do favoritismo que garantiu ao seu filho Fábio, com o repasse de R$ 5 milhões de fundos regados com o dinheiro público para a sua desconhecida empresa, operar na gravação de vídeo e embarcou no Aerolula, em plena campanha, para sustentar os seus altos índices de popularidade que pavimentam o sonho da reeleição.
No embalo dos aplausos nos contactos populares, desligou-se do governo. E está exagerando. Quase não é visto no Palácio do Planalto, por onde passa como bichano sobre o braseiro, em geral para receber manifestações de apoio de setores beneficiados pelo atendimento de suas reivindicações.
A ministra Dilma Rousseff perdeu a cerimônia e assumiu a vaga. É, de fato, a presidenta em exercício, que despacha com os ministros, cobra eficiência administrativa e cutuca os dorminhocos depois de dois anos e meio de catalepsia coletiva. Pelo visto, o presidente adorou a libertação da maçante burocracia, das obrigações enfadonhas da administração, que detesta. Não sabe e não se ajusta ao exercício do governo. Até aí, dá para entender. O diabo são as escorregadelas no piso gaiato dos excessos. No mesmo dia, na aflição de improvisar palanques para os seus improvisos, pediu, através da sua assessoria, para surpresa dos seus promotores, para comparecer à solenidade no Sindicato dos Taxistas de Brasília. Ora, nada justificava a presença do presidente na modéstia de uma festinha que não juntou mais de duas centenas de gatos pingados da categoria que representa dez mil trabalhadores. Lula compareceu, assinou o projeto de lei, a ser encaminhado ao Congresso, que prorroga a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de carros para os taxistas até 2009 e deitou falação. Para começo de conversa, dada a secundária importância do encontro patrocinado pela minoria, era dispensável até presença do ministro do Trabalho. E, na seqüência da rata, ao falar aos escassos ouvintes chegou ao limite do bandeamento para a oposição ao governo do qual se afastou. Equilibrando-se no fio balançante da conversa de candidato à reeleição, soltou o verbo: O que é importante é o seguinte: é que todos os brasileiros conquistem, neste nosso mandato, o direito de viver com a dignidade e a decência que todo trabalhador precisa ter neste país. Mas, precisamente ao presidente compete honrar as promessas de quatro campanhas e dos 25 anos do falecido PT e nada ou muito pouco foi feito em mais da metade do mandato. E não será agora, com o país em transe, purgando a vergonha do espetáculo da corrupção que emporcalha o Congresso e o governo, que os compromissos serão honrados.
A insensibilidade parece ter anestesiado a turma do Planalto, no salve-se quem puder da debandada. O presidente viaja e fala como oposicionista. A greve do INSS, que se prolonga por quase dois meses, expõe a fila que varra as madrugadas da pobreza desamparada, que esmola o seu direito à assistência médica, aos exames, aos remédios, aos documentos, ante a indiferença oficial, a apatia que roça pelo desdém. Desmancha-se a base de apoio parlamentar com as denúncias dos métodos de aliciamento de aliados nas trampas do mensalão, das fortunas milionárias com os botes no erário, para abastecer o caixa dois que financia a eleição dos aliados, pagos à boca do cofre. Neste cenário de ruína, de fim de festa aos gritos de pega ladrão, do salve-se quem puder, com o partido do governo falido e em dissolução, com o escândalo respingando lama em quadros da cúpula oficial, o presidente comporta-se como se nada tivesse com o fracasso do governo e com a imundície que jorra da CPI dos Correios, das apurações da Polícia Federal, do Ministério Público. E do jeito que baixa o nível da campanha para a reeleição, inventando pretextos para cortar fitas e discursar, não demora a inaugurar barraca de feira-livre.