O jogo não terminou, estamos no relaxante intervalo entre o primeiro e o segundo tempo. Mas, qualquer que seja o resultado do fuzuê de cortiço armado nos fundos do governo, é inegável que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, emplacou razoável atuação na pelada do seu depoimento de horas intermináveis na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Aplicou alguns dribles e audaciosos trancos na oposição, paralisada pela tática da retranca defensiva, com a audaciosa coragem de afirmar ou de negar: não houve corrupção na Prefeitura de Campinas (SP) durante a sua gestão; a campanha do presidente Lula jamais foi irrigada por doações de Cuba, de Angola ou da Farc, e por aí bailou, em gingas e volteios, diante da bem comportada equipe adversária, além de outras miudezas. Sem aprofundar a análise crítica de confronto que não correspondeu às expectativas de uma decisão, salta a evidência que Palocci furou a bola da crise, baixou a temperatura, esvaziou as especulações sobre a sua demissão e adiou para data não marcada a anunciada convocação para depor na CPI dos Bingos, quando terá que debulhar as denúncias de roubalheiras e trapaças do mensalão e do caixa 2, na amplitude das investigações que chegam ao exterior. Será a hora e a vez da oposição. Antes de chegar lá, sobra tempo para esmiuçar o comportamento do presidente Lula ao longo de todo o episódio, desde que o seu ministro mais importante foi colocado na berlinda pelas críticas públicas e reiteradas da ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil (substituta do atormentado deputado José Dirceu, que luta para escapar da provável cassação do mandato) aos rumos da política econômica. Uma boa briga entre os dois ministros mais importantes do medíocre ministério, esmagado ao peso das banhas de obeso de compulsiva voracidade. A ministra Dilma custou a mostrar ao que veio. Com manhas que contiveram seu temperamento impulsivo, esperou a hora de bater no competidor que se firmara como o mais influente destaque da seleção palaciana. Foi ao deboche ao qualificar de rudimentar a proposta de ajuste fiscal em longo prazo, defendida pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, Paulo Bernardo, unha e carne com Palocci, que estabelece um limite rígido para o aumento de despesas com pessoal da União pelos próximos dez anos.
Depenada dos enfeites e disfarces é a disputa pelo segundo lugar, com sabor de primeiro no governo acéfalo, e centrada na polêmica que racha o PT entre a rigidez da política econômica com os juros na espaçonave aterrando em Marte e a variante para aliviar a barra na reta da campanha eleitoral, com elevados investimentos públicos para atender ao clamor da sociedade. Em qualquer caso, era previsível que o ministro Palocci só teria a ganhar ao enfrentar o desafio de comparecer ao Congresso para se defender das suspeitas e acusações e responder às perguntas da oposição do que se expor ao desgaste das negaças protelatórias.
Mesmo a mais desastrada atuação seria preferível à tortura nas brasas das evasivas. O raciocínio elementar, de curso primário do jogo político, não instigou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a quebrar a rotina da omissão, do alheamento das maçantes obrigações inerentes ao exercício do mandato, e assumir liderança no instante crítico da crise a invadir o seu gabinete e decidir. Com a exata noção do tempo: quanto mais cedo, melhor, pois a procrastinação só azeda a massa do bolo. Lula atuou nos bastidores, na moita. Sumiu da cena para as viagens da sua recreação e foi pródigo nos improvisos pontuados de tolices. Cometeu erros calamitosos ao atropelar a ética e agredir a verdade. Em inúmeros e conhecidos esbarros nas suas categóricas afirmações, como a de não intervir nas CPIs para, de imediato, jogar toda a máquina oficial para dissolver a CPI do mensalão, a única com maioria oposicionista.
Para enfrentar a prova do Detran para a renovação da minha carteira de motorista amador, de veneranda serventia desde l949, andei lendo o folheto que relembra as normas básicas de segurança aos condutores de veículos. E, às folhas tantas, na resposta certa sobre a conduta do condutor para evitar situações de perigo, o seco resumo em três verbos fortes: "ver, pensar, agir". Ao motorista responsável e com a devida habilitação, exige-se que decida na seqüência de "ver, pensar, agir". Ou, páginas adiante, para a prevenção de acidentes: "reconhecer o perigo, preparar a defesa: e agir a tempo." Acho que Lula não passaria na prova do Detran.
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