Este artigo, caro leitor, é o quarto que escrevo sobre o mesmo tema: a corrupção. Desejava, sinceramente, mudar o foco. Mas não consigo. Sou otimista. Por temperamento e convicção. Os pessimistas me aborrecem. São, ordinariamente, preguiçosos. Não suportam o acicate dos sonhos, fogem dos riscos e dos desafios. Preferem olhar para trás e viver de nostalgia. São homens de retrovisor. O Brasil precisa, com urgência, recuperar sua capacidade de empreender e sonhar.
A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo delinqüente que marca o comportamento dos que estão do lado de lá. Eles são claros. Não se preocupam em apagar as impressões digitais. Tudo é feito às escâncaras. Esbofeteia-se a verdade numa escala sem precedentes. Vejamos, ao acaso, alguns registros da crônica política (ou policial) deste lusco-fusco da cidadania.
O presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Tarso Genro, num discurso indignado e moralizante, prometera promover a "refundação" do partido. Pois bem, em recente reunião do diretório nacional da agremiação, o campo majoritário, sob a batuta efetiva do investigado José Dirceu, aprovou um documento suave nas autocríticas, mas contundente no ataque "às estratégias oportunistas da direita" para "abreviar o mandato popular, legal e legítimo, do presidente Lula".
Ao mesmo tempo, foi sepultada a anunciada intenção de Tarso Genro de levar o partido a negar legenda para as próximas eleições aos seus parlamentares que renunciassem aos mandatos, como seria o caso do comandante Dirceu e do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, a fim de não serem cassados, conservando assim o direito de pleitear um novo mandato no ano que vem. Quer dizer, o crime compensa. Até Delúbio Soares, bode expiatório do partido, tirou uma casquinha. O PT aceitou os termos da carta em que seu ex-tesoureiro pediu afastamento por tempo indeterminado da agremiação, não sem antes deixar de mencionar seu "compromisso com o povo brasileiro"e concluir com "saudações petistas." Como disse o jornalista Clóvis Rossi, a resolução do PT e a carta de Delúbio "são uma impostura e um escárnio."
Em carta enviada à presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Lula reassumiu o papel de paladino da luta contra a corrupção. "Todos os erros e desvios" devem ser "apurados e punidos, doa a quem doer", afirmou. Curiosamente, o presidente da República não se sente obrigado a explicar o empréstimo que recebeu do PT e considera natural que as agremiações partidárias operem com caixa 2. Aparentemente, não se dá conta de que é o responsável direto pelo descalabro. Na verdade, Lula segue uma estratégia consciente. Sabe que se assumir as suas responsabilidades, como governante e ícone petista, o escândalo cairá no seu colo. Por isso, assume uma postura autista, não desce do palanque populista e, conseqüentemente, não governa. O presidente, caro leitor, não é um iniciante. Além disso, está sendo orientado por um tarimbado criminalista. Lula sabe o que faz. Tonto não é.
O jogo de faz-de-conta, no entanto, acabou. O depoimento de Duda Mendonça, talvez a primeira aragem de verdade que varreu o Congresso Nacional, e a entrevista de Waldemar da Costa Neto à revista Época, explodiram como uma bomba no Palácio do Planalto. O presidente da República está, queira ou não, no epicentro do terremoto. Seu discurso à Nação, fraco e inconsistente, não resolveu nada. Um pedido genérico de desculpas só agrava a percepção da culpabilidade presidencial. O pagamento feito a Duda Mendonça no exterior derruba a versão de empréstimo. E as afirmações de Waldemar da Costa Neto reforçam o feeling da sociedade: "O Lula, o José Dirceu e o Delúbio faziam parte da mesma família", afirmou ex-presidente do PL. Qual a origem da dinheirama? Esta é a pergunta que está sem resposta. A deputada Denise Frossard, especialista em casos de criminalidade intrincada, não descarta a hipótese Hugo Chávez. É uma boa pauta.
A dimensão do crime já começa a minar os alicerces das instituições. Por isso é preciso aplicar a terapêutica prevista na nossa estrutura democrática. O presidente da República precisa dizer a verdade. Caso contrário, o processo de impeachment será inevitável. A situação é gravíssima, mas, ao mesmo tempo, purificadora.
Graças ao papel histórico da imprensa e à legítima pressão da sociedade, o Brasil não será o mesmo. Impõe-se, para isso, que a sociedade, sobretudo a juventude, se vista de verde-e-amarelo e, saindo às ruas e praças deste Brasil democrático, dê um basta às tentativas, claras e despudoradas, de inauguração da maior pizzaria da nossa história. E, ao mesmo tempo, exija mudanças legais profundas que sejam capazes de expurgar a corrupção institucional que tanto nos envergonha.
Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, e diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.
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