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A criação dessa Super-Receita, como a imprensa a denominou ao se anunciar a sua gestação nos gabinetes do governo, constitui um bom exemplo do voluntarismo que inspira e domina os que detêm o poder. Em qualquer país, a instituição que administra os tributos é poderosa e respeitada, pelo seu caráter instrumental. Arrecada os recursos para o Estado, para que ele possa cumprir sua finalidade, realizando as obras e serviços públicos.

Aqui, trata-se a administração tributária como se fosse uma instituição dotada de plasticidade a se conformar aos desvarios da incompetência, leviandade e dissipação do governo.

No início de 2005, pela Lei n.º 11.098, de 15 de janeiro, foi criada a Secretaria da Receita Previdenciária, destacada da estrutura do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, com a missão específica de arrecadar e fiscalizar as contribuições previdenciárias. Nem bem foi instalado este órgão, ocorreu a sua fusão com a Secretaria da Receita Federal, pela Medida Provisória n.º 258, de 15 julho deste ano.

Tudo feito na improvisação, sem diagnósticos, na galega, como se por passe mágico e argumentação teórica de redução de custos e eliminação de duplicidade de ação, surgisse uma instituição mais eficaz, por racionalidade, poderosa, ou como foi designada, uma Super-Receita. Até o verde dos gramados da Esplanada dos Ministérios, onde devem ter se nutrido os autores dessa proeza, sabe que a administração tributária é complexa e se compõe de recursos humanos, materiais e tecnológicos, e que envolve uma cultura peculiar.

A fusão das duas organizações deveria ter começado por trocas de informações estratégicas. Há realmente íntima relação entre as matérias-primas de que tratavam essas duas instituições. No Imposto de Renda da pessoa jurídica, o total da folha de salários, submetido à contribuição previdenciária, constitui despesa operacional, sendo, portanto, dedutível da receita bruta, na apuração do lucro pela empresa. No Imposto de Renda da pessoa física, os salários sujeitos à contribuição previdenciária adquirem relevância, pois a remuneração paga aos empregados constitui rendimento submetido à sua incidência.

Há muito tempo deveriam as respectivas organizações trocar esse tipo de informação, essencial ao respectivo funcionamento, economizando pesquisas e investigações. As informações, os dados, são a alimentação fundamental da administração tributária. Essa colaboração estratégica nunca funcionou sistematicamente. Sem ensaios preliminares, faz-se a fusão dos órgãos, inexistente o seu planejamento. Estabelece-se expressamente confusão de atuação para as instituições encarregadas do processamento dos dados – Serpro e Data Prev, esta encarregada de servir ao INSS, em matéria de pagamento de pensões e proventos da aposentadoria e comprovação de tempo de contribuição dos segurados, e também à nova instituição. Possibilidade de disfunções e equívocos à vista.

O drama real vai surgindo com a greve de categorias prejudicadas em seus direitos. Em face das paralisações inteligentes, posto que com dia e hora marcados, dos funcionários da antiga Secretaria da Receita Federal, já foram prorrogados os prazos vencidos de validade das certidões negativas. O público que comparece à nova instituição descobre que ela não funciona na sua plenitude. Quando funciona, o faz vegetativamente. Não há nada de exponencial ou dinâmico como prometido. A energia das categorias funcionais consome-se na luta pela preservação de suas atribuições. É o caso dos auditores da Receita, preocupados com o fatiamento de suas funções.

Os procuradores da Previdência ficaram abandonados no INSS. Não participarão das ações executivas da nova entidade e os da Fazenda Nacional, que têm tal competência, não apresentam atualmente condições operacionais para funcionar. A Procuradoria da Fazenda Nacional não possui a capilaridade de que dispunha a Procuradoria da Previdência. Daí, a suspensão pela Justiça do Trabalho dos processos relativos à matéria previdenciária, por falta de representação adequada.

O ambiente é confuso e de lutas intestinais das categorias em confronto. O leão, por incompetência e leviandade do governo do presidente Lulábia da Silva, sofre as dores do parto, transformado em monstrengo a assustar os funcionários aposentados do Fisco, pois suas carreiras de origem serão extintas; os aposentados e pensionistas da previdência estão angustiados porque receiam não receber a tempo e hora o que têm direito, pois a contribuição previdênciária passará a ser mais um tributo entre dezenas administrados pela nova instituição, perdida a ligação direta entre a arrecadação e o pagamento dos seus direitos dos segurados da previdência. Não foi ainda instalado o caos. Há uma operação de implantação meramente vegetativa. Predomina a magia negra, em matéria estratégica para a previdência e seus segurados.

Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e Fundação Getúlio Vargas (FGV)e ex-secretário da Receita Federal. osirisfilho@azevedolopes.adv.br

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