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Torcedor nato, o cidadão brasileiro só se satisfaz com goleadas. Sua vocação é para o "já ganhou". Placar sofrido, apertado, tem sabor amargo, não desce, não é com ele. Vitórias dignas deste nome são somente as acachapantes, esmagadoras, superlativas, indiscutíveis.

O pendor para o triunfalismo desmedido explica a frustração diante do inesperado voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, na última quinta-feira. Ao absolver, contra todas as expectativas, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha da acusação de corrupção passiva e peculato apenas um dia depois de reconhecer que o chamado mensalão caracterizou-se pelo uso de recursos públicos abastecendo o valerioduto, o ministro Lewandowski frustrou os inquietos e impacientes.

O placar está rigorosamente empatado, nada justifica a generalizada decepção. A malha da Justiça está sendo urdida, o desapontamento com a corte suprema é prematuro, faltam nove votos, sem contar com a réplica do relator, Joaquim Barbosa, nos próximos dias.

O Judiciário brasileiro está claramente empenhado em melhorar a sua imagem: no mesmo dia em que o jogo embolou no STF, não muito longe da Praça dos Três Poderes, na sede da Advocacia-Geral da União (AGU), celebrou-se algo inédito nos anais dos escândalos: um culpado, o ex-senador Luiz Estêvão, assinou o compromisso de devolver ao erário R$ 460 milhões (quase meio bilhão de reais), desviados das obras de construção do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo.

Luiz Estêvão foi cassado por seus pares – o que também é digno de nota –, mas o raríssimo castigo moral foi, pela primeira vez, incrementado por uma rigorosa penalidade financeira: a devolução de parte do dinheiro desviado. O reembolso de quantia ligeiramente maior (R$ 542 milhões) continua sendo discutido na Justiça.

Qualquer que seja o desfecho, o julgamento da Ação Penal 470, vulgo mensalão, coloca a república brasileira, suas instituições e a sociedade num patamar único. E invejável. Numa Argentina tão admirada pelo seu elevado padrão cultural, este espetáculo judicial seria impensável, tamanha é a força do Executivo e a emasculação da magistratura. Na Venezuela, no Equador, na Colômbia ou mesmo no México, o equilíbrio entre os poderes é uma fantasia.

Neste caso paradigmático, dois procuradores-gerais da República (o atual, Roberto Gurgel, e seu antecessor, Antonio Fernando de Souza) foram inflexíveis no cumprimento de seus compromissos com o interesse público sem se importar com os interesses de quem os nomeou. Não chama a atenção, mas é espetacular.

Ver a figura máxima do Ministério Público (cuja função constitucional é a defesa da ordem jurídica e do Estado de Direito) sentado ao lado do presidente da Suprema Corte no papel de acusador-mor do governo anterior constitui um dado histórico único, memorável. É forçoso admitir que o país muda definitivamente de patamar.

Qualquer que seja o placar das condenações, o rigor das penas e o nível de estresse desta maratona, lenta e inexoravelmente começam a ruir dois monumentos do passado: a República dos Trambiques e o Regime do Vale-Tudo.

Alberto Dines é jornalista.

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