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editorial

Matar o mensageiro, a solução do MEC

Trocar a Prova Brasil pelo Enem na composição do Ideb do ensino médio tem tudo para abalar a credibilidade do indicador

O fraco resultado do ensino médio brasileiro, evidenciado pelos números do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), levou o Ministério da Educação a considerar uma medida que pode, de uma hora para outra, promover uma melhoria nos indicadores educacionais nunca antes vista neste país. Infelizmente não se trata de um esforço concentrado para capacitar professores, adotar novas práticas pedagógicas ou lutar contra a evasão escolar: a ideia do ministro Aloizio Mercadante é simplesmente substituir, na composição do índice, a Prova Brasil pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujos resultados vêm melhorando ano após ano e poderiam, assim, anabolizar o próximo Ideb.

Os problemas do ensino médio no Brasil são crônicos e já foram ressaltados neste mesmo espaço e em várias reportagens desta Gazeta do Povo. É compreensível que o governo esteja angustiado com a estagnação da qualidade do ensino médio, já que o Ideb sobe apenas um ponto decimal a cada dois anos desde 2005, enquanto os números do ensino fundamental evoluem mais velozmente. Mas os esforços governamentais deveriam se concentrar em formas de melhorar a educação em si – a elevação dos indicadores viria como consequência. Alterar o cálculo do Ideb soa como maquiagem estatística que, ainda por cima, colocará por terra qualquer possibilidade de medir o avanço do ensino médio durante um período de tempo mais longo, já que série histórica do Ideb passará a contar com asteriscos e observações sobre a mudança na metodologia, abalando a credibilidade do indicador.

A própria natureza dos exames é diferente: a Prova Brasil foi criada especificamente com o objetivo de avaliar o nível da educação e da instituição de ensino, enquanto o Enem, que avalia o aluno, ganhou um caráter de vestibular nacional, é assombrado por escândalos como fraudes e vazamento de dados e adota uma divisão de disciplinas que está longe de ser unanimidade entre os educadores, apesar de o mesmo Ministério da Educação querer agora reformar o currículo do ensino médio para adequá-lo ao exame.

Mercadante afirma, com razão, que o número de estudantes que fazem o Enem é muito maior que o volume de avaliados na Prova Brasil, o que justificaria a troca; no entanto, como a participação no Enem depende apenas da vontade do aluno (e essa vontade está relacionada à sua intenção de cursar o ensino superior, ou seja, estudantes que não pretendem entrar na faculdade têm menos estímulo para fazer o Enem), adotá-lo como referência para o Ideb poderia introduzir distorções estatísticas, por exemplo com uma sub-representação que alteraria de forma significativa o índice de escolas, municípios ou estados.

Promover, a essa altura, a substituição da Prova Brasil pelo Enem é como matar o mensageiro que traz a má notícia sem ser responsável por ela; ou como tirar o bode da sala, no conto atribuído à sabedoria judaica sobre uma família numerosa que vivia em um espaço minúsculo. Qualquer comemoração motivada por um eventual salto na próxima edição do Ideb acabará mascarando os sérios problemas do ensino médio atual – e avanços reais ainda poderão passar despercebidos graças à suspeita de que a melhoria no indicador é consequência unicamente da mudança na metodologia. Seria trágico viver na ilusão de que a educação está avançando e observar que os resultados em provas internacionais, como o Pisa, permanecem ruins, ou que as universidades brasileiras continuam recebendo alunos incapazes de dominar habilidades básicas de leitura e matemática, como revelado pelo último Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), que classificou 38% dos universitários como detentores de alfatetização "rudimentar" ou "básica".

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