O início do julgamento do mensalão coincide com os 20 anos da operação Mãos Limpas, único escândalo político que se aproxima do brasileiro nas dimensões e características principais. Em ambos, a corrupção se destinava ao financiamento dos partidos, embora muito dinheiro tenha acabado em contas particulares das centenas de envolvidos.

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Na Itália, um grupo de cinco promotores conduziu por dois anos uma investigação da qual resultaram 1.300 condenações e penas negociadas, e 150 absolvições cabais, fora as prescrições.

Houve episódios dramáticos como a "estação de suicídios" de vários empresários e políticos de relevo, a fuga e a morte no exílio do ex-primeiro-ministro Bettino Craxi, o desaparecimento de cinco dos maiores partidos – entre eles a Democracia Cristã, que governara o país durante décadas.

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O abalo produzido pela "revolução dos juízes" acabou por destruir a Primeira República italiana, dando nascimento a partidos e movimentos improvisados, como a Liga Norte ou a Força Itália.

Não se pode negar que foi feita justiça, imperfeita como sempre, por meios judiciários regulares ou pela morte política.

Não obstante, o dia 17 de fevereiro de 2012, vigésimo aniversário do início da operação, quase passou em branca nuvem. A única lembrança foi o lançamento em Nápoles de uma pizza em honra da efeméride (na Itália não se brinca com comida, e pizza não tem o sentido pejorativo adquirido no Brasil).

É verdade que os italianos, mergulhados na crise econômica e no colapso desastroso do governo Berlusconi, possuíam preocupações mais graves e imediatas. Vale a pena assim tentar extrair do aniversário alguma lição que nos possa ser útil, sem ignorar a profunda diferença de contextos político e econômico-social entre os dois países.

A primeira é que os processos contra a corrupção se justificam por si próprios, pela necessidade de afirmar a justiça. Não se espere deles, a começar do atual, o que não podem dar: o poder miraculoso de mudar a política ou a sociedade.

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Outra conclusão é que, mesmo quando produzem efeitos políticos, o sentido e o valor das mudanças dependerão não dos tribunais, mas da capacidade de reformar as instituições para evitar a repetição do mal.

Desse ponto de vista, nem na Itália, nem no Brasil se avançou no financiamento dos partidos, e a corrupção continua a derrubar ministros. Sem reformas, o escândalo se limita ao efeito destrutivo. É ilusório pensar que o vazio político e moral produzirá por si só um sistema melhor. Bobbio previu que a Segunda República começava mal e acabaria pior. Como, de fato, aconteceu com o desonroso naufrágio de Berlusconi e dos partidos que o apoiavam.

A melhor lição é a do poeta Leopardi: "Se queremos despertar e retomar o espírito da nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha".

Poucos anos de prosperidade bastaram entre nós para ofuscar o escândalo com triunfalismo beirando a soberba. Agora que o voo de galinha da economia nos deixou de crista caída, é bom ter a vergonha de reconhecer que nada, nem governabilidade nem êxitos econômicos e sociais, justifica a corrupção.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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