Os mitos fazem sentido e explicam a realidade por caminhos não racionais. Antes da filosofia grega descobrir o raciocínio lógico já no século V antes de Cristo, a origem do mundo era explicada pelos mitos, seus movimentos e vir-a-ser. Mitos que ainda sobrevivem, integram o cotidiano porque fazem sentido, assim como os rituais. Sobrevivem porque conseguem satisfazer exigências do pensamento, embora a lógica as faça de modo mais rigoroso.
Quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente, a simbologia que carregava em seus ombros era pesada e assumiu com um mito. Um intelectual com consistência internacional, um lutador pela democracia, um filho sofredor da ditadura. Um exilado que fez de sua história crescimento; da crise, oportunidade ao estudar e ampliar conhecimentos e visão de mundo. Por isso mesmo, ao assumir, o nível de expectativa era alto. Alguém de sua envergadura teria certamente o compromisso e a responsabilidade para com as minorias; no país, maiorias ou excluídos. Assim como os tigres asiáticos fizeram uma revolução na educação, saúde e social, esperava-se que ele também fizesse a sua revolução, positiva e saudável, verdadeira mudança transformadora da realidade histórica. Quem mais, senão ele, poderia conduzir esse desafio?
Ele se foi e com ele muito da esperança, porém a democracia assegurada e uma longa trajetória de aprendizado. O povo foi aprendendo o que só o tempo ensina.
Representando um sentimento da população, jornalistas de peso nacional pareciam sentir constrangimento ao admitir em palavras uma certa frustração com FHC. Afinal, se ele falhara na dose, quem poderia liderar o processo rumo às melhorias ambicionadas?
Ao simbolizar a mudança e a transformação de modo mais radical que FHC, Lula assumiu o poder alimentando ainda mais alto a expectativa e a esperança, então entristecida, da população. Teria que ser ele! O homem que passou fome, que veio do Nordeste e que liderou toda uma categoria. O homem do povo. O homem que venceu começando do nada e isso para ele era de fato real e que, mesmo sem um diploma, recebeu a diplomação do mais alto cargo de seu país: a da Presidência da República.
Quando, também com ele, os primeiros rumores de equívocos começaram a surgir, os mesmos jornalistas pareciam novamente recear romper a esperança. Sem ele, o que sobraria?
Mitos não podem ser desmentidos e muito menos derrubados. Mitos, quando fazem sentido, permanecem. Assumir a responsabilidade de desmistificá-los é assumir perante a Nação que a esperança se esvai e que a construção de uma nova realidade diz respeito a cada um e a todos juntos; a um fazer constante em que o aprendizado é dolorido implicando em visão, rumo, consciência, persistência e trabalho. Muito trabalho.
Dinheiro fácil, diziam os antigos, sai fácil. Mas aquele dinheiro que custa ganhar, custa a sair do bolso. Olhamos fotos de malas de dinheiro aqui, acolá, hoje, ontem. Falamos de milhões e bilhões como se fizessem parte de nosso cotidiano. Colaboramos com esse dinheiro que transita em malas, vão para contas de laranjas ou são enviados para paraísos fiscais.
Como olhar esse mundo sem perder a tranqüilidade, sem sentir inquietação, sem ter a grandeza de, tendo ou não apoiado, ver homens dignos que defenderam a ética e a democracia ruírem em silêncio sem ter nada a dizer para se defender?
Um novo aprendizado, um novo tempo para a população e para o país que vai ter que aprender a fazer de crises, oportunidades.
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