Após o Iluminismo, dizia-se que aquela era ainda uma idade das trevas e que, após sombras tardias enraizadas desde o descobrimento, novos tempos iam chegar.
Como previam oráculos medievais, esperavam-se enormes transformações logo após a virada do milênio, e embora elas chegassem não eram exatamente as que se anteviam. Pessoas ansiavam por depuração, renascimento e luzes, mas eram outras coisas que chegavam.
A terra tremia como nunca em alguns lugares do planeta, as ondas soerguiam-se causando vagalhões que arrastavam cidades inteiras e o terror espalhava-se pelos diferentes continentes contaminando a alegria e a esperança com a insegurança e o medo. A fome incompreensível em terras de tantos recursos alastrava-se como peste imbatível. Vírus e doenças contagiosas e rebeldes ampliavam fronteiras e tornavam-se ameaças de extermínio.
O descaso com a morte (ou com a vida?) mostrava o grau de responsabilidade para com o ser humano, logo, nada mais poderia surpreender, sobretudo naqueles tempos de "salve-se quem puder"!
A incapacidade política de combate ao crime não organizado, aquele que era conseqüência de tantas e inúmeras causas passíveis de controle, impunha-se como uma doença incontrolável, doença denominada vontade.
Prisões aleatórias aconteciam, prisões necessárias também, sob critérios e leis polêmicas e discutíveis enquanto pessoas sedentas e ávidas por espetáculo consumiam diferentes formas de lazer para inebriar-se diante de tantos males.
O cinismo, a audácia, a hipocrisia, a incoerência e a inversão estavam expostos no olhar, nas palavras, na postura. Que tempos históricos eram aqueles? O que aconteceria quando tudo parecia estar do avesso?
Os jovens encolhiam-se. Perambulavam pelos espaços das cidades de diferentes maneiras. Sem fartas biografias de lideranças que servissem de exemplo no modo de pensar, falar e agir como modelos e um jeito estadista de ser, desesperançavam-se do futuro.
Os sem dinheiro zanzavam por cantos sombrios, sucumbindo a vida entre a inércia, a fome, a revolta, a violência e a tristeza ou frieza intensas. Os com dinheiro inebriavam-se entre dias e noites fugidios, perdidos entre os valores que não mais compreendiam, as incoerências entre discurso e ação, e um futuro que, apesar do dinheiro, parecia nebuloso.
O tempo real permitia à mídia oferecer um novo show de realidade a cada dia e telespectadores desconcertados assistiam impassíveis ao descobrimento de um modo tradicional de fazer, até então nunca tão exposto.
As contradições inerentes à construção da democracia espantavam e surpreendiam, trazendo mais perguntas do que respostas, mais angústias do que tranqüilidade. Lideranças pareciam navegar confusas entre o certo e o errado, o justo e o injusto, a impunidade e a lei.
Países que comandavam o mundo reuniam-se, discutiam, decidiam acordos que alguns não cumpriam.
O desequilíbrio de forças entre os que tinham e os que não tinham era profundo e doloroso. O sistema econômico era único e impunha-se sem alternativas inteligentes que criassem novas lógicas produtivas mais pertinentes ao novo cenário. Futuristas encantavam platéias e antenavam diferentes valorações, bem comum, tendências respeitosas ao planeta e uma nova lógica de consumo consciente. Futuristas não se elegiam. Pensavam, ofereciam mecanismos e instrumentos, mas não dirigiam. E todos procuravam um novo modo de fazer.
Maria Christina de Andrade Vieira é empresária e escritora. Autora dos livros Herança (Ed. Senac-SP), Cotidiano e Ética: crônicas da vida empresarial (Ed. Senac-SP).