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Quando se esperava que a crise política estivesse em refluxo, as revelações do sr. Duda Mendonça na CPI mista do Congresso, que apura práticas de corrupção eleitoral, reacenderam o problema, levando o presidente da República a fazer um pronunciamento à Nação com suas explicações. Os desdobramentos do problema foram imediatos, com reflexos na sociedade e nos mercados, influindo na percepção do risco-país no exterior. A situação é grave, a apuração das responsabilidades deve ser realizada, porém o bom senso recomenda que o processo seja conduzido com preservação das instituições, em proveito do Brasil.

De fato, o Brasil é maior do que a crise, tendo resistido a impasses históricos mais árduos do que o apontado pela conjuntura atual; alguns deles registrados ainda antes do descobrimento oficial por Pedro Álvares Cabral. Depois, na transição para a vida autônoma, o país superou turbulências da fase regencial que ameaçavam fragmentar a unidade nacional, graças a uma conjunção de fatores favoráveis – dentre os quais avultam a sabedoria dos estadistas do Império e o serviço patriótico do Duque de Caxias, cuja data comemoramos neste mês de agosto.

Outras crises ocorreram na passagem para a fase republicana, depois no batismo da modernidade industrial dos Anos 30 e, ainda, na superação do período autoritário vinculado à "guerra fria" internacional. Por isso temos sustentado que o Brasil também vai ultrapassar os problemas do presente – numa catarse oportunamente invocada pelo ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal – logrando passar à outra margem dessa caudal turbulenta com uma democracia mais sólida e contemporânea.

O importante é que os agentes envolvidos na questão atual tenham presente a ética da responsabilidade, desenvolvida no ensaio de Max Weber sobre a vocação política. O pensador alemão do início do século 20 explicava que – de modo diferente ao do adepto de uma crença religiosa ou de uma ideologia – o dirigente político deve atuar advertido da conseqüência previsível de suas ações atuais. Um exemplo à mão de baixo comprometimento de líderes públicos com a responsabilidade foi a votação da MP do salário mínimo no Senado, quando a maioria eventual gerada pela desestruturação das bancadas situacionistas elevou esse piso de remuneração nacional para 384 reais, atropelando a proposta governamental de R$ 300.

Outro caso típico foi a denúncia contra quatro deputados federais pelo PTB, formulada de modo genérico e com viés de vingança pelo então deputado Costa Neto, presidente do PL – entre eles um paranaense. Ainda bem que o relator do processo no Conselho de Ética da Câmara, identificou o sofisma e se declarou pronto a rejeitar liminarmente a acusação. Nesta hora difícil, "que põe à prova a alma dos homens" – como escreveu o panfletário Tom Paine, instigador da independência dos Estados Unidos –, cabe aos brasileiros de bom senso contribuir para o completamento da construção das instituições republicanas, iniciada no ano de 1889 e codificada com a Constituição de 1891.

Na verdade, as bases da organização política do Estado brasileiro remontam à Carta Imperial de 1824. A República acrescentou a autonomia federativa – tema reputado fundamental por Rui Barbosa –, mas deixou em aberto institutos que, depois, vieram se aperfeiçoando com a Revolução de 1930 (regras eleitorais básicas, direitos sociais). Porém, além e para diante do legalismo formal de composição de mandatos, é preciso ajustar tais modelos à realidade, com uma reforma política que minimize distorções da representação do eleitorado alinhados na série de escândalos que mantém a nação em suspenso.

Nesta hora grave para a vida brasileira, determinar uma orientação para o futuro é mais sensato do que o recurso a soluções imediatistas, valendo a advertência que Thomas Morus incluiu na hipotética Constituição de Utopia: ali seria proibido discutir propostas no dia de sua apresentação, sendo a discussão transferida para a data seguinte, "para evitar que alguém desembuche levianamente as primeiras coisas que lhe passem pela cabeça".

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