O Estado de Direito é a faceta formal das condições da democracia. É a materialização, em regras de bom senso decantadas ao longo de um extenso período da história, da percepção de que o homem é sempre um ser imperfeito, que, embora capaz de superação e excelência, está também inclinado para o egoísmo, para a autopromoção, para a ambição. A realidade de que quem tem o poder tende a abusar dele, embora não absoluta, corresponde ao drama dessa ambivalência própria do ser humano, que seria insensato desconsiderar.
Toda a construção da ideia de Estado de Direito tem sua origem no liberalismo da primeira hora, naqueles momentos em que ficou patente que era fundamental limitar o poder do Estado para salvaguardar os cidadãos. A necessidade imperiosa de uma Constituição, a separação dos poderes, o império da lei (subtraindo a arbitrariedade de caráter personalista), a afirmação de direitos e garantias dos cidadãos como limite à atuação do Estado e de uns cidadãos contra outros, são todas conquistas modernas e que constituem precisamente o cerne do que se convencionou chamar de Estado de Direito.
A noção de Estado de Direito é a materialização da sabedoria política prática
Mas, se hoje temos isso muito claro, nem sempre foi assim. Houve um longo caminho até a consolidação desta lógica. Na prática e na preocupação teórica antiga e medieval, o que prevaleceu foi a preocupação de discutir e identificar o que seria um governo prudente, voltado para o bem comum. Faltou a praticidade de institucionalizar mecanismos que garantissem um mínimo de segurança contra os possíveis abusos dos governantes que não seguissem ou não quisessem seguir a boa praxe que aquelas discussões indicavam. Trata-se, portanto, inegavelmente, de uma grande conquista, e de uma conquista prática.
As medidas que compõem o que hoje se entende por Estado de Direito (e não é pacífico o consenso sobre qual é esse conjunto de medidas) podem, no entanto, se confundir com uma determinada visão ou ideologia do Estado – em concreto, com a ideologia liberal radical. Pode-se, de fato, pensar que o Estado de Direito nada mais é do que a materialização da tese de um Estado minimalista. Mas isso não precisa ser necessariamente assim. A noção de Estado de Direito é a materialização da sabedoria política prática e que institucionaliza um âmbito dentro do qual se pode construir uma sociedade democrática com uma visão mais abrangente do papel do Estado. Se entendemos a democracia como uma forma de ser de determinado Estado, a conclusão lógica é a de que o Estado de Direito é um componente, um pilar da democracia. Sem Estado de Direito não há democracia possível, independentemente dos fins que se atribuam ao Estado, seja ele minimalista, intervencionista, subsidiário ou qualquer outra configuração.
Mas seria um erro crasso entender que é possível, em tese, estabelecer instituições ou mecanismos que, por si sós, garantam o bom governo. Boas instituições e sábias medidas de limitação, de controle e balanços de poder facilitam tremendamente seu exercício saudável, mas jamais são suficientes para, no longo prazo, evitar todos os possíveis abusos ou garantir a boa direção de um todo social. Para atingir esse objetivo é necessária uma cultura democrática que não se limita a instituições fortes, mas inclui comportamentos que reflitam sólidos valores cívicos.
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