O problema do ajuste fiscal está na falta de ajustes sociais, que substituam direitos velhos por novos direitos estruturais, assegurando bem-estar social permanente aos cidadãos. Ao longo dos últimos anos, o Brasil optou por uma verdadeira folia de gastos públicos, consumismo exacerbado, baixo nível de poupança e investimento, irresponsabilidade fiscal, preços administrados, contabilidade criativa escondendo a realidade, desonerações fiscais em dimensões escandalosas. Ignorando os alertas, os partidos no governo comemoravam euforicamente os benefícios do curto prazo. De tanto repetirem a própria publicidade, as lideranças fizeram o povo acreditar nas ilusões: o pré-sal resolveria tudo, empresas como o grupo X colocariam o país no cenário mundial, o BNDES construiria a nação emergente mais dinâmica do século 21.
A realidade desfez as ilusões, os alertas se mostraram proféticos, mas a eleição não permitia que se admitisse a crise. A folia econômica que se esgotava chegou à política e as ilusões foram ampliadas pelo marketing. Os eleitores passaram a acreditar que nunca o Brasil fora tão rico, dinâmico e sem pobreza, e que o país daria passos para trás se não reelegesse o grupo no poder.
O resultado é que a economia brasileira chegou a 2014 em uma situação de crise de proporções catastróficas: déficit em transações correntes de 4,2%, déficit nominal de 6,7% e dívida pública bruta de 6,3% (em relação ao PIB), além de inflação persistente acima da meta.
Agora, passada a eleição, o governo faz tudo que acusava seus opositores de pretenderem fazer contra o povo e o país: elevação da taxa de juros, controle de gastos, redução de direitos e realismo nos preços passaram a ser defendidos como ajustes necessários. A fala do novo ministro da Fazenda, carregada de medidas antifolia, passou a ser aceita pelos que as criticavam, enquanto outros que antes se beneficiavam da folia começam a criticar os ajustes.
O problema das últimas medidas não está na fala do ministro Levy controlando ou eliminando direitos trabalhistas, mas na falta de falas ousadas dos demais ministros, como os do Trabalho, da Educação e da Saúde, oferecendo novos direitos. Alguns ajustes nos chamados benefícios sociais são necessários para corrigir os desastres criados pela folia fiscal, mas em vez de repudiá-los ou de se conformar com eles, é preciso atualizá-los e fazê-los avançar. Alguns dos antigos direitos trabalhistas não têm como ser mantidos, mas novos direitos devem ser implementados.
Alguns dos atuais direitos precisarão ser moralizados, modificados e substituídos por direitos contemporâneos, como o direito do filho do trabalhador à mesma escola de qualidade do filho do patrão; licenças periódicas para efetiva capacitação; direito do trabalhador à licença para ir à escola do filho e para cuidar preventivamente de sua saúde.
Cristovam Buarque, professor emérito da UnB, é senador pelo PDT-DF.
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