• Carregando...

A inexistência de convicções somada às vantagens da proximidade com o governo explica o mais recente surto de criação de novas legendas

"Não há nada mais conservador que um liberal no poder." Essa máxima vem dos tempos do Império, quando os partidos Conservador e Liberal alternavam-se nos ministérios de dom Pedro II. A historiografia brasileira atribui tal contradição ao fato de que, ideologicamente, os dois partidos apenas pareciam ser diferentes entre si, mas eram completamente iguais quanto à disposição de servir ao poder imperial e dele também se servir. E o imperador, com astúcia, sabia fazer o jogo – mudava-os de posição conforme as conveniências que emergiam de eleições (das quais só as elites participavam) para que, no fundo, tudo continuasse como estava.

Passados mais de 150 anos, a política brasileira parece viver do mesmo mal: os partidos e seus militantes preocupam-se muito mais em dividir o butim do poder que em se definir ideologicamente, defender princípios, apresentar programas e lutar por causas que digam respeito ao interesse público no seu sentido mais nobre. Mais importante é amoldar-se aos interesses do Executivo para, em troca, dele receber benesses e facilidades, muitas das quais sabidamente inconfessáveis. Quanto maiores as bancadas e mais fiéis ao mando imperial da Presidência, mais ricos e influentes são os ministérios e cargos a que passam a "ter direito".

Essa distorção não faz bem para a democracia. É da essência do regime o embate de opiniões, assim como deveria ser da essência do sistema partidário que fosse ele representativo da multiplicidade de ideias, posições e correntes antagônicas que permeiam o espectro social. Não é o que ocorre: o fato de existirem hoje 30 partidos registrados pela Justiça Eleitoral e de 16 estarem representados no Congresso Nacional não significa que tenhamos uma democracia política da qual possamos nos orgulhar. Fixemo-nos em alguns números: dos 513 deputados, apenas 89, reunidos em tão-somente quatro legendas, estão na oposição; dos 81 senadores, 15 se opõem ao governo. Trata-se da menor oposição já registrada no Congresso, desde mesmo os tempos do regime militar.

A inexistência de convicções políticas, ideológicas ou programáticas somada às vantagens propiciadas pela proximidade com o poder central são as principais razões a explicar o mais recente surto de criação de novos partidos, como mostrou ontem a Gazeta do Povo. Em um ano, foram registradas três novas agremiações. Por quê? Porque deputados eleitos por partidos de oposição – e portanto distantes das ambicionadas prebendas só distribuídas aos situacionistas – perderiam o mandato se trocassem de legenda, conforme reza a lei da fidelidade partidária. Contudo, se for para mudar para um partido "novo", a lei não lhes impõe a pena fatal.

Daí o surgimento de três novos partidos, que tiraram principalmente da oposição quase meia centena de parlamentares – agora abrigados em legendas que já nasceram dispostas a frequentar com desenvoltura os corredores palacianos, responder obedientemente às ordens superiores e, em retribuição, conquistar supostos recursos para suas igualmente supostas bases.

Enquanto isso, dormem nos escaninhos do Congresso e na falta conveniente e proposital de iniciativas do Executivo quaisquer projetos que, efetivamente, proponham as reformas eleitoral e política – condição mais que indispensável para que a democracia representativa mereça esse nome. Reformas que comprometam os políticos com definições ideológicas, com programas e, sobretudo, com o desenvolvimento e a melhoria geral do povo que os elege e que restrinjam o jogo de conveniências meramente pessoais a que temos assistido.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]