O debate econômico vem introduzindo a possibilidade de ocorrência de um terceiro choque do petróleo no mundo, por conta da elevação das cotações internacionais do barril do produto, que não devem cair dos U$$ 65,0 até 2007, depois de terem alcançado US$ 45,0 no início de 2005 e US$ 10,0 no final da década de 1990.

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Desde o começo de 2003, os preços do petróleo contabilizaram variação acumulada equivalente aos dois saltos do decênio dos 1970. Se forem deflacionados pelos indicadores de varejo dos Estados Unidos (EUA), os patamares atuais tornam-se os mais elevados em 40 anos, salvo aqueles experimentados transitoriamente por ocasião da invasão do Irã pelo Iraque em 1990.

A raiz da presente marcha altista repousa na combinação entre a equação equilibrada e aquecida de oferta e demanda, a condição de limite técnico de plena capacidade de refino, a instabilidade política de importantes países produtores, como Venezuela e Nigéria, e o comprometimento da produção americana no Golfo do México pelo furacão Katrina, e pouco depois pelo Rita, em um cenário de ausência possibilidade de soluções de abastecimento com fontes alternativas de energia.

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Convém recordar que a quadruplicação dos preços do óleo em 1973 foi precipitada pela guerra do Yom Kippur, travada entre os árabes e os israelenses, enquanto que a duplicação das cotações em 1979 foi deflagrada pela derrubada do regime comandado pelo xá do Irã, Reza Pahlevi, e a tomada do poder pelo grupo comandado por Ayatolá Khomeini.

O Katrina atingiu aproximadamente 4 mil plataformas de extração de óleo bruto – que equivalem a 1/3 e 1/5 da produção de petróleo e de gás natural do Golfo do México, respectivamente –, interferindo negativamente nas atividades dos portos, oleodutos, gasodutos e refinarias. Diante da situação de desestabilização do suprimento de petróleo bruto e de derivados, o governo dos EUA optou por realizar leilões de vendas de estoques estratégicos para a garantia de fornecimento e, os países avançados, integrantes da Agência Internacional de Energia, se dispuseram a disponibilizar cerca de dois milhões de barris retirados das reservas.

Cálculos do Serviço de Gerenciamento de Minerais dos EUA indicam perda de 6,0 milhões de barris de petróleo na última semana de agosto, o que correspondeu a quase 30,0% da produção norte-americana em um ano, ocasionando racionamento na revenda de combustíveis e pronunciada ascensão dos preços.

Adicionalmente, é perceptível a permuta de consumo dos jipões americanos pelos veículos econômicos fabricados pelas montadoras asiáticas. A venda acumulada de utilitários caiu 6,3% nos últimos 12 meses encerrados em setembro de 2005, evidenciando um movimento de cautela dos consumidores dos EUA frente às elevações de preços dos combustíveis, em paralelo à elevação dos juros e à sinalização de exaustão da bolha imobiliária.

Projeções dos meios especializados sinalizam fortes chances de ocorrência conjugada dos fenômenos inflação e desaceleração da velocidade de crescimento da economia mundial, associada à impulsão dos preços do petróleo, especialmente em razão da impossibilidade de supressão dos gargalos de oferta no curto prazo e do provável ajuste para cima dos juros norte-americanos e europeus. A esse respeito, inferências do Fundo Monetário Internacional (FMI) denotam queda de 0,5% (meio ponto percentual) no Produto Interno Bruto (PIB) mundial anual em reposta ao acréscimo de US$ 10,0 no preço do barril de petróleo.

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Sem dúvida, o encarecimento repentino e/ou permanente da principal fonte de energia da era industrial tende a engendrar um circuito de transferência de renda das nações consumidoras às produtoras, de diminuição dos rendimentos líquidos de famílias e empresas e de rebaixamento das inclinações ao consumo e ao investimento produtivo.

Todavia, as circunstâncias tecnológicas e macroeconômicas atuais, bastante distintas das prevalecentes nos anos 1970, podem servir de anteparo à acomodação das renovadas elevações dos preços do óleo. Do lado técnico, as progressivas inversões em racionalização no uso de fontes fósseis e/ou o desenvolvimento e utilização de outras vertentes energéticas, provocaram a redução da elasticidade do consumo do petróleo frente ao PIB.

Do ângulo econômico, a surpreendente conjugação entre estabilidade da inflação e dinamismo da demanda, pode ser atribuída aos expressivos excedentes de mão-obra nos principais mercados, formados com o panorama recessivo verificado entre 2001 e 2003 – depois da reação norte-americana às investidas terroristas –, e ainda não exauridos pela recuperação dos últimos dois anos.

Tal fenômeno tem permitido a neutralização das pressões de custos, oriundas das majorações dos preços das commodities agrícolas, minerais e metálicas, por intermédio da compressão salarial. Ademais, é prudente não esquecer que o aumento da receita dos países produtores de petróleo e, conseqüentemente, de sua capacidade de importar, podem amortecer, ainda que parcialmente, aqueles efeitos contracionistas previstos.

Por fim, um movimento ascendente das cotações do petróleo apanharia o Brasil dependendo apenas residualmente das importações, ao contrário do quadro de enorme vulnerabilidade durante os choques pretéritos. Em 2005, o país deverá despender, no máximo, US$ 5,0 bilhões com compras externas de petróleo e, para 2006, as projeções conferem equilíbrio para a conta-petróleo, em virtude da expansão da capacidade de produção doméstica e externa da Petrobrás e da existência de excedentes de álcool para atendimento de uma frota de veículos que já opera com predominância das modalidades utilizadoras do bi combustível.

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Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School.