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Os ingleses são decididamente diferentes. Assim é que, na véspera da passagem do ano, quando todos tentam se embalar com champanhe e esperanças, a Economist, seu mais importante semanário e um dos mais lidos em todo o mundo, circula com uma capa mefistofélica. O "Breve Guia para o Inferno" é uma engraçada e elaborada charge onde diabinhos, diabos e asquerosas criaturas exibem os pecados capitais interpretados pelos players da cena mundial.

Ninguém escapa: a Luxúria é representada pelo general Petraeus e Berlusconi; banqueiros são engolidos pelo monstro da Cobiça; Satanás, diabo-mor, maneja um painel denominado "mudanças climáticas" enquanto segura a própria capa da revista. O único risonho, Barack Obama, não obstante ostentar o pecado do Orgulho, parece inebriado pela autoestima, sem reparar no abismo fiscal. Ao fundo, atolado no lodaçal, um camburão designado como "jornalismo inglês". A autoflagelação faz sentido: os editores preferiram poupar o premiê britânico a brigar com o governo. Ninguém é de ferro.

A virada da ampulheta na próxima segunda-feira será iluminada pelos fogos de artifício, artificiosos e enganosos, pois o Dia Seguinte já se prenuncia comprometido. Como numa tela do nosso conhecido Caravaggio, o claro-escuro está mais escuro que claro. O apocalipse esquenta em banho-maria – devagar, infalível.

A crise econômica deixou de ser notícia de jornal, é realidade palpável, concreta, brutal. Uma generalizada sensação de década perdida está tirando dos jovens o gosto de começar e, dos velhos, o prazer de contemplar.

O mundo enrolou – evaporaram-se edens e eldorados, sumiram as doutrinas messiânicas, as utopias estão aposentadas, emergentes e submergentes empacaram. A democracia está em crise; a prova é o tremendo aumento das manifestações de rua. O capitalismo está em crise, a prova é a sua incapacidade para medicar-se; o socialismo está em crise, a prova é a sua canibalização pelo corporativismo; o liberalismo está enfezado, a prova é a submetralhadora debaixo do braço; a religião está em crise, a prova é o seu apego ao poder temporal.

Isso é grave: os escritores avisam que vão parar de escrever porque nada mais merece ser contado. Mais grave ainda é o embaçamento do espelho da crise – a mídia, desconectada pelo excesso de conexões.

A Europa, mostruário da paz, derrubou fronteiras e agora está às voltas com secessões na Bélgica e Espanha (a fome espanta qualquer disposição para a fraternidade). Venezuela, Argentina e Paraguai estão matando a pauladas o Mercosul sonhado por Bolívar. Brics não são exceção: o estupro de uma jovem na Índia e as gigantescas manifestações de protesto exibem a enorme distância entre crescimento e real desenvolvimento. O terror político entranhado na Rússia é um remake tenebroso e gelado do fascismo mediterrâneo. Agarrados à doida locomotiva chinesa, voamos em direção à monumental incógnita que chinês algum é capaz de deslindar.

E nós, privilegiados brasilianos, entre apagões e ilusões, mas sempre abençoados pelos deuses, vamos, enfim, desfrutar o gosto de viver sob o manto da lei. Sensação nova, estranha, complicada, penosa, com um travo do ceticismo no tocante a crimes e castigos. Sem alternativas.

Alberto Dines é jornalista.

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