A freqüência dos rompantes, o esforço para aparentar serenidade e demais retoques no estilo de mais de três anos do exercício do mandato, escorram a suspeita de que o presidente Lula despertou, estremunhado como quem foi sacudido por um susto ou pela revelação dos seus erros na seqüência, das omissões à paralisia da bagunça administrativa e tenta improvisar os corretivos, com a afobação e a falta de jeito do seu temperamento e da sua deficiente formação. Mas, como não escreve e só fala, o que diz não se escreve. Palavras soltas ao vento a brisa leva e espalha pelo oco do silêncio. Na inexplicável entrevista de duas horas a quatro emissoras de rádio, enriqueceu de pérolas a rica coleção de tolices. O que quis realmente justificar na enviesada abordagem do mergulho do PT nas águas sujas do caixa 2, além do remendo de inesquecível e suave afirmação de que se tratava de prática corriqueira de todos os partidos em todas as campanhas? No caso, deu o azar da topada com o último episódio da novela protagonizada pelo seu partido da estrela vermelha desbotada na bandeira rota. A encrenca petista embarafustou-se pelo beco sem saída com a denúncia do pagamento de R$ 1 milhão, em dinheiro vivo, a Coteminas do vice-presidente José de Alencar, para a amortização da dívida contraída, em 2004, com a encomenda à fábrica têxtil de 2,75 milhões de camisetas para as campanhas municipais, ao custo total de R$ 11 milhões.
Nada mais espanta na degringolada do PT. É realmente fantástica a sem-cerimônia e o descaro com que aplicou todos os golpes da malandragem para irrigar as mais caras campanhas de toda a crônica suja das trampolinagens republicanas. Quase três milhões de camisetas para as disputas municipais, pagamento de undécimo de R$ 1 milhão em erva empacotada denunciam uma orgia de dinheirame escuso, dissipado com a perdulária insensibilidade moral dos que se consideram blindados pela impunidade e a certeza de que a mina é inesgotável. À vontade na poltrona confortável, o presidente beliscou a orelha petista como pai extremoso castiga filho travesso: "Quem fez caixa 2 praticou um erro abominável contra a história do PT". Alivia a mão, compreensivo: "Mas não pense que fiquei inibido de ser petista. Pelo contrário, agora estou mais orgulhoso porque nós também não somos infalíveis e, quando cometemos erros, temos que pagar." Será que alguém infla o peito de orgulho quando descobre que o frágil barro humano não resiste à sedução da vaidade, da ganância, da ambição política? Mais difícil é convencer à opinião pública que a amazônica dinheirama que inundou a sua campanha bilionária e dos companheiros é da responsabilidade exclusiva da dupla Delúbio Soares e Marcos Valério e que, em meses de gastança, ninguém viu, soube ou teve a curiosidade despertada sobre a origem misteriosa do súbito enriquecimento da legenda nascida na luta sindical por aumento de salário.
O afetado maneirismo das explicações simplistas, como dribles entre as pernas do adversário, é usual nos improvisos do presidente. Lance repetido às dúzias. Diante dos repórteres mudos, negou que tenha prometido na semeadura de ilusões da campanha, a criação de 10 milhões de empregos. Ginga e vai em frente: "Nós afirmávamos que o Brasil precisava de 10 milhões de empregos." Qual é a diferença? O candidato que afirma a necessidade, assume o compromisso moral de incluí-la entre as prioridades do seu governo. Ou está falando à toa, para enganar os trouxas.
Será que também não prometeu recuperar e ampliar a rede rodoviária, aparelhar os portos, reformar a educação, a saúde, a segurança?
Na programação dos shows de fim de ano inclui-se a convocação, para a próxima segunda-feira, 12, da reunião do ministério para definir as grandes obras para a arrancada de 2006. Vale a pena prestar atenção no espetáculo. Os 35 ministros, secretários e assessores, mais os líderes do governo no Congresso, a equipe de servidores entopem o salão da Granja do Torto. Lula abre a sessão e despeja dados estatísticos que testemunham os êxitos do governo "como nunca houve em toda a história deste país". Entremeia a leitura de parágrafos impressos em letras garrafais, que ocupam uma página com longos surtos de improviso. No seguimento do libreto, os ministros do primeiro time, como Antônio Palocci, da Fazenda; Dilma Roussett, chefe da Casa Civil; Jaques Wagner, novo astro em ascensão na articulação política; e outros menos cotados terão a sua vez para garantir espaço na mídia. Ao resto, a gorjeta dos minutos para dizer o que fizeram e principalmente para explicar porque não fizeram nada.A inana rola por todo o dia, com pausa para o almoço e a ida ao banheiro. Ao fim da tarde, exaustos, todos se retiram com a bênção da felicidade da confirmação no maior ministério de todos os tempos do maior governo de todos os séculos.