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Independentemente de seu desfecho, a crise atual está purificando nossa visão da realidade brasileira, revelando nosso horror e, ao mesmo tempo, o cinismo que se esconde nos subterrâneos da política vigente.

Temos horror ao constatar que nossa classe política, salvo honrosas exceções, não tem um projeto para o país, mas sim um projeto para si. Como dizia o inesquecível Betinho, "o Brasil tem fome de ética e passa fome em conseqüência da falta de ética na política".

Há o cinismo de dizer uma coisa e fazer outra. O atual governo federal foi eleito pelo apelo da bandeira da ética, com a promessa de olhar o mundo através dos olhos dos pobres e construir um Brasil sem fome. Porém, em nenhum instante indagou o talismã de Gandhi: "Relembrem o rosto do mais pobre e do mais fraco ser humano que vocês já viram e perguntem a si mesmos se o passo que vocês querem dar será de alguma utilidade para ele. Ganhará ele algo com isso? Aquilo restaurará nele o controle sobre sua vida e destino? Noutras palavras, contribuirá para conduzir a autonomia pessoal de milhões de famintos de fome e de espírito?"

Nossos representantes políticos chegaram ao cúmulo da desumanidade, e pesa sobre eles uma imensa hipoteca social. Os ladrões de recursos públicos matam impunemente. Para os mafiosos que estão no poder, a vida humana vale realmente o valor do salário mínimo; ou seja, acabar com ela significa acabar com muito pouco.

Neste contexto, o referendo a respeito do desarmamento, soa surrealista, para não dizer cínico. As malas de dinheiro matam vidas, matam esperanças dos cidadãos e encurralam a todos nós em nossas casas e grades, por falta de investimento em segurança pública. Este sórdido sistema de roubo organizado não possibilita um Brasil onde todos comam todos os dias, ganhem salários, voltem para casa, possam sorrir e se ver no espelho sem chorar pelo que não puderam realizar. Para a fome, o governo realmente foi zero, para a corrupção foi mil e para os especuladores, 1 milhão.

Enquanto, Marcos Valério, Delúbio, Roberto Jefferson, Sílvio Pereira, entre outros, tantos outros, reviram nossas vísceras, provocando náuseas, a taxa de juros é mantida, a carga tributária cresce, os serviços prestados à população diminuem e a criminalidade assume cada vez mais o papel negado pelo poder vigente.

Se, vencida esta crise, não houver mudanças estruturais, outras a sucederão. Este momento parece ser bom para compreendermos a corrupção a partir de suas causas. Entre elas, o sistema político/administrativo, o sistema judiciário e uma sociedade complacente. Recorrentes casos de políticos suspeitos de envolvimento em atos de corrupção e outros inclusive com envolvimento comprovado são novamente eleitos pelo voto popular e sintetizam o crime (corrupção) consentido. A crise que se instalou exige respostas políticas: devemos nos mobilizar pelo esclarecimento radical das denúncias de compra de parlamentares e, no caso de sua comprovação, exigir o imediato e inarredável afastamento de todos os envolvidos, com a sua responsabilização penal; devemos repudiar, de forma veemente, o marketing como forma de fazer política; devemos rejeitar o mercado eleitoral e exigir a defesa e o comprometimento com idéias e programas; devemos deixar bem claro que não aderimos ao "vale-tudo" moral, que a corrupção nos causa indignação e que concordamos com Abraham Lincoln sobre a moralidade: "Se no seu próprio sentir, não puder ser um político honesto, decida ser honesto sem ser político. Exerça outra ocupação, melhor que aquela, em cuja escolha, de antemão, consente ser um velhaco".

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