Os dados do Banco Central sobre endividamento das famílias mostram uma escalada quase sem pausas nos últimos sete anos. Em geral, costuma-se justificar esse aumento com um argumento bastante razoável: a concessão de crédito pelos bancos brasileiros sempre foi tímida, e começou a decolar somente de uns dez anos para cá. Assim, seria de se esperar um aumento no endividamento geral. Isso é verdade, e demonstra um funcionamento anômalo do mercado financeiro. Mas não explica tudo.

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A anomalia tem razões históricas. Em qualquer país do mundo, os bancos obtêm seus lucros do processo conhecido como "intermediação financeira" – ou seja, recebem recursos de uma fonte (depósitos em conta corrente e aplicações de poupança, por exemplo) e os emprestam, ganhando com a diferença entre as duas taxas. Aqui, durante muito tempo, os ganhos das instituições vinham de emprestar dinheiro a um único cliente, o governo federal, que financiava a sua operação por meio da emissão de títulos. Como o governo não tem bom histórico, porque já deixou de cumprir com seus compromissos nas gestões de José Sarney e Fernando Collor, as instituições financeiras cobravam caro. E ganhavam muito.

Hoje, a situação é outra. Os juros básicos, pagos pelo governo, estão caindo, e os bancos estão elevando seus empréstimos para as pessoas físicas e jurídicas. Alegando o risco da inadimplência, cobram juros altos. Com isso, transformam o calote em uma profecia autorrealizável.

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O problema não está nas concessões de crédito. Financiamentos são importantes para a geração de riqueza, e a maioria das pessoas sabe que só poderá ter acesso a bens de alto valor (imóveis, especialmente) se puder recorrer a eles. A questão é que esse crescimento foi intenso e rápido – em janeiro de 2005, as concessões somaram R$ 31,8 bilhões; em junho de 2012 foram R$ 83 bilhões –, e se deu sob uma das taxas de juros mais altas do planeta. Uma taxa que é extremamente punitiva, porque qualquer atraso dispara um mecanismo de correção que é capaz de multiplicar os valores da dívida para além da capacidade de pagamento do cidadão. E que tem como resultado a inadimplência.

Há dois anos começaram a surgir observações eventuais em publicações técnicas a respeito da possibilidade de o Brasil estar inflando uma bolha de crédito. Ou seja, um aumento do total de financiamentos, sem que a capacidade de pagamento do público o acompanhe. Talvez o Banco Central, o governo federal e as instituições financeiras devessem levar mais a sério esses comentários.

Isso passa por um aperto na fiscalização das demonstrações financeiras dos bancos. Analisando os dados do Banco Central sobre as faixas de risco dos empréstimos a pessoas físicas, o cenário parece positivo. Afinal, 73% do crédito total à pessoa física aparece nos balancetes classificado com a categoria A. Um cliente A não tem em seu histórico de atraso de pagamentos nenhum atraso superior a duas semanas. Esses dados, entretanto, não combinam com as reiteradas reclamações dos banqueiros a respeito da inadimplência. Por isso o cuidado deve ser redobrado: casos como o do Banco Cruzeiro do Sul, cujos números se deterioraram até o ponto de ser necessária a liquidação extrajudicial, demonstram que o governo vem falhando em acompanhar os dados das instituições que devia fiscalizar.