Três cenas chamaram-me a atenção no início de novembro. Um, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em discurso inflamado, desancando o verbo contra os Estados Unidos e contra a economia livre. Dois, um inflamado político argentino dizendo que o liberalismo é o grande responsável pela miséria latino-americana. Três, políticos locais, em comício inflamado no centro de Curitiba, deplorando a vinda do presidente Bush ao Brasil e dizendo que é preciso acabar com o capitalismo para acabar com a miséria.

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Embora com oratória diferente, os atores das três cenas afirmavam a mesma coisa: se há miséria, necessariamente o capitalismo e o neoliberalismo são os responsáveis. Espanta-me a lógica dessa gente, cuja fala é carregada daquela certeza que só a ignorância confere. Gilberto Amado dizia que experimentava êxtase quando encontrava um brasileiro capaz de ligar causa e efeito, aforismo que se aplica, ipsis verbis, a todos os latino-americanos. Tirando Estados Unidos, Canadá e Chile, os países do continente americano não são capitalistas nem liberais. Ao longo de toda a sua história, esses países não tiveram mais que curtos ventos de liberdade política e liberdade econômica simultaneamente. Não há excesso de liberalismo por estas bandas; há falta dele.

Ao presidente Hugo Chávez e ao político argentino eu daria uma sugestão: visitem o Chile. Trata-se do único país que conseguiu manter certa coerência na aplicação das receitas liberais por duas décadas seguidas e, com isso, conseguiu ser, de longe, o mais desenvolvido e o menos pobre entre os latinos. O Chile recuperou as liberdades políticas depois de Pinochet, manteve o receituário liberal, e é hoje um modelo de desenvolvimento, além de ser o que mais sucesso conseguiu na administração das desigualdades sociais. No limite das possibilidades das sociedades modernas, o Chile é exemplo de como um bom programa liberal, gerido com competência política, pode melhorar a vida da sociedade. Volta e meia algum esquerdista solta o verbo a criticar problemas pontuais na economia daquele país. A questão é que não existe o paraíso na Terra, embora alguns digam que existe e está na Dinamarca. Em termos do possível, o Chile deixou seus vizinhos muito atrás.

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Outro exemplo que poderia lançar um pouco de luz nas mentes dos socialistas latino-americanos é a história da própria Argentina. Na década 1940, três estrelas brilhavam no nosso continente: Estados Unidos, Canadá e Argentina. Hoje, os dois primeiros são países adiantados, enquanto a Argentina refestela-se na colheita do caos. Sessenta anos de populismo trabalhista, estatização, intervenção e receitas antiliberais transformaram essa bela nação em um país economicamente indigente. Na década 1940, três nações promissoras chamavam a atenção do mundo: Argentina, Canadá e Austrália. Estas duas últimas mantiveram-se, de forma regular, próximas de um receituário liberal: economia livre, democracia política, liberdades individuais e um Estado relativamente pouco intervencionista, enquanto a Argentina caminhou na trilha oposta. Canadá e Austrália estão aí, brilhando na constelação mundial dos países adiantados, ao tempo em que nossos amigos portenhos caminham celeremente para alta miserabilidade.

Frederick Hayek dizia que o socialismo era um equívoco dos intelectuais, e que não teria a menor chance de dar certo, um regime que, em nome de salvar o seu povo, mata os seus indivíduos. Os socialistas repetem o bordão de que a liberdade não faz sentido em um país cheio de injustiça social. O equívoco de tal raciocínio é achar que regimes totalitários, que acabam com as liberdades, são capazes de pôr fim à pobreza. A prática do socialismo real mostra que acabar com a liberdade não soluciona a injustiça social. É o inverso. A única forma de fazer a economia crescer, condição esta necessária para a justiça social, é ampliar as três liberdades: a política, a econômica e as individuais.

Os esquerdistas parecem que não entenderam o óbvio sobre a economia. A sociedade tem duas máquinas: o capitalismo, que é uma máquina de produzir; e o governo, que é uma máquina de distribuir. O capitalismo não é uma máquina de distribuir. Esta tarefa compete ao governo, razão pela qual ele confisca mais de um terço da renda nacional em forma de tributos. A essência do capitalismo é a propriedade privada dos meios de produção, enquanto o socialismo significa a estatização desses meios. O equívoco é não entender que, se acabarmos com a máquina de produzir, não haverá o que distribuir, pois o Estado socialista é incapaz de dar conta da produção. Além disso, a máquina que falhou foi o governo e essa é a grande razão da injustiça social. Portanto, não será eliminando a máquina de produzir que resolveremos os flagelos sociais, mas, sim, reformando o Estado e sua ineficiência congênita.

Lembrando mais uma vez Roberto Campos: "O mundo será salvo pelos eficientes e não pelos caridosos, pois se os eficientes não produzirem, os caridosos não terão o que distribuir". Apesar da vazia retórica de alguns líderes latino-americanos, o socialismo real, com a morte que ele impinge às liberdades, caminha para o seu crepúsculo... o crepúsculo de um equívoco.

José Pio Martins é vice-reitor e professor de Economia do Centro Universitário Positivo – UnicenP.

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