O encontro bilateral realizado ontem, entre os presidentes Kirchner, da Argentina, e Lula, do Brasil, foi oportuno para revigorar uma relação que o ministro Celso Amorim considerou estratégica no âmbito do Mercosul e da integração sul-americana. Os dois líderes se reuniram em Puerto Yguazú, junto ao Paraná na Tríplice Fronteira, para comemorar vinte anos da aproximação pioneira entre os então presidentes Alfonsín e Sarney que em 1985 deu partida ao bloco regional de comércio, numa antecipação da cúpula do Mercosul marcada para a próxima semana.
A construção do Mercado Comum do Sul deverá ganhar impulso neste final de ano, com a esperada admissão da Venezuela, que de membro associado passará à condição de membro pleno do bloco, juntando-se aos sócios originais Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai mais os associados, Bolívia, Chile e Peru. Alguns observadores questionam essa ampliação sem que o Mercosul tenha se consolidado; outros advertem para os problemas potenciais no relacionamento com outros países e blocos com a chegada do polêmico líder venezuelano Hugo Chávez.
De toda forma, o ingresso da Venezuela adiciona potencial econômico ao conjunto de nações sul-americanas, facilitando ainda a costura de um acordo entre o Mercosul e o Pacto Andino, que se arrasta há anos por força do desnível nas tarifas de comércio exterior entre ambos os agregados de países que atuam na América do Sul. A lenta aproximação em comércio pode ser contornada por outros esforços pró-união, tal o programa de integração via infra-estrutura lançado pelo Brasil no governo anterior e ampliado atualmente com a projetada União Sul-Americana.
De toda forma, foi o diálogo entre os então presidentes Sarney e Alfonsín que deu partida ao processo, em 1985, segundo testemunham esses líderes da redemocratização em seus países. Sarney, em depoimento a Geneton Moraes Neto, revela ter superado hesitações internas ao assinar com Alfonsín um acordo de renúncia ao uso militar da energia nuclear; em seguida, o líder argentino convidou o então governante brasileiro a inspecionar a planta de enriquecimento de urânio que seu país operava. Essa transparência é agora reafirmada no encontro de Puerto Yguazú, ressalvado o direito ao uso pacífico da energia nuclear.
O eixo estratégico que o chanceler Celso Amorim identifica no estreitamento de relações entre Buenos Aires e Brasília decorre do mercado potencial conjunto de um trilhão de dólares, com intercâmbio crescente e estabilidade geopolítica comprovada. Para cimentar essa união vários economistas sugerem o aprofundamento da integração via criação de um mecanismo monetário comum, que pode evoluir para uma moeda conjunta do tipo do "euro". Nessa linha os recentes sobressaltos na relação de comércio como a implantação de salvaguardas temporárias não devem preocupar; já que eles decorrem da própria dinâmica de trocas, na avaliação do ministro Celso Amorim.