Quase US$ 2,5 bilhões vão ser pagos pelo liquidante do fundo de investimentos de Bernard Madoff a credores iludidos pela lábia desse golpista de luxo que os havia surrupiado de milhares de investidores alguns anos atrás. O liquidante já informou que tem vários outros bilhões de dólares em caixa para ressarcir outros lesados. Dois milagres da Justiça: primeiro, meses depois de o golpe ser descoberto, Madoff abandonou seu apartamento palacial na Park Avenue e se mudou para uma penitenciária; agora, os lesados por ele vislumbram a chance concreta de recuperar uma boa parte do que perderam.
Mais que uma façanha da Justiça, o caso Madoff prova que as duas verdadeiras leis da economia não são a oferta e a demanda, mas a ganância e o terror: a vontade incontrolável de ganhar mais fazendo vista grossa para os riscos; e o terror de perder tudo em uma transação desastrada.
Madoff era um mito do capital financeiro e ex-presidente da bolsa de valores Nasdaq, e assim nunca se deu ao trabalho de manter uma contabilidade transparente, prestar contas aos investidores, dar explicações aos analistas curiosos com o desempenho absolutamente soberbo de seus fundos, fosse qual fosse o ambiente do mercado. E ninguém ousava perguntar nada se perguntasse, era convidado a investir em outro lugar. Quem percebeu o golpe com anos de antecipação pregou no deserto e suas advertências foram vistas como uma espécie de ressentimento e de inveja.
O Brasil tem uma vasta tecnologia em golpes como o aplicado por Madoff, de pagar juros a uns com o dinheiro de outros que entraram na ciranda mais tarde batizado de Esquema Ponzi em homenagem ao seu criador, Charles Ponzi, um italiano esperto e bem falante. Nosso Charles Ponzi local, imaginativo como o original e também um psicólogo nato, foi o Felipeta, um rapaz de classe média que, no início da década de 50, revolucionou o comércio de carros usados no Rio de Janeiro com um sistema simples: comprava automóveis por altos preços, pagando em suaves prestações, e imediatamente os vendia à vista com grandes descontos. Qualquer estudante da escola infantil saberia que não tinha como dar certo, mas milhares de trouxas desafiaram a lógica matemática movidos pela lei da ganância e foram colhidos pela segunda lei, implacável, que gerou o terror de ver seu belo carrinho e seu belo dinheirinho evaporarem.
Felipeta foi para a cadeia, mas ninguém viu a cor de seu dinheiro de novo. No caso Madoff, foi diferente: a Justiça escolheu um liquidante tão esperto quanto ele, que não perdeu tempo e foi direto no fígado de dezenas de grandes bancos internacionais que revendiam os fundos de Madoff, processando-os civil e criminalmente por terem se beneficiado com polpudas comissões de bilhões de dólares enquanto os clientes eram lesados.
Quando é que teremos um liquidante como o dr. Picard pois esse é o nome da fera para ir direto no fígado das operadoras de telefonia celular que nos roubaram (e quem dirá se ainda roubam?) impunemente, os bancos e financeiras que lançam tarifas indevidas e erram na conta de juros sempre contra os clientes, comerciantes virtuais que não entregam o que vendem e fabricantes que fornecem deliberadamente produtos com defeitos e saem incólumes?
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.