E eis que a menina postou uma foto... A história de Isadora Faber, a estudante de 13 anos que criou uma página no Facebook para ali mostrar as avarias de sua escola, em Florianópolis, se tornou um daqueles inauditos assuntos da semana. Difícil contabilizar os seguidores do "Diário de Classe, a verdade", como o endereço eletrônico acabou batizado. Isadora, descrita como uma guria frágil e tímida da 7.ª série, teria mais de 9 mil seguidores. Somando os "curtidores" e os "falantes", para citar duas categorias da rede social, o pequeno sítio da estudante pode ter atingido o equivalente a uma cidade de 350 mil habitantes. Os números só fazem crescer.
É o bastante para colocar em polvorosa a Secretaria Municipal de Educação da capital catarinense, pais, alunos, educadores e, claro, ativistas da rede com seus dedos implacáveis. A fase é de euforia no parque de diversões virtual. Por ora, não se disse quase nada sobre o significado da página. Ou sobre a ameaça anunciada das redes sociais às muralhas escolares. Ao lado dos presídios, são os equipamentos públicos mantidos com o dinheiro do cidadão que mais se negam a mostrar o que ocorrre nos seus bastidores. Um celular que filma e fotografa, e um aluno inteligente o bastante para teclar com argúcia, veja só, podem se tornar a queda dessa Bastilha.
Talvez resida aí o pânico e o incômodo diante do "Diário de Classe" de Isadora, um fato urbano que gerou a mixofilia aproximação e mixofobia repulsa da qual tanto fala Zygmunt Bauman. No momento, a pedra está no sapato da Escola Básica Municipal Maria Tomásia Coelho, situada no bairro Santinho, em Florianópolis. Mas tudo indica que pode virar uma onda, desencadeando a "Primavera Árabe" nas escolas públicas brasileiras. Outras Isadoras, uma castiça Homo faber, virão. E, cá entre nós, a tomar pelas imagens do Facebook, se comparado à média nacional, o colégio de Isadora é um centro educacional de elite.
Se alguém quer ver algo perto de um filme de horror, que assista ao excelente documentário Pro dia nascer feliz, de João Jardim, resultado de um tour por instituições de Norte a Sul do Brasil. João mostra que ter descarga é um luxo. Aulas regulares, um privilégio para poucos. E o mais perverso dá a entender que por miséria conseguimos conviver muito bem com isso, afinal a educação ocupa o quarto de despensa da nação. Diz-se que não se vive sem ela, mas ninguém vê necessidade de equipá-la com os melhores móveis da casa, ou mostrá-la a alguma visita. Deve ter sido como a direção da "Maria Tomásia" se sentiu invadida naquilo que considera uma área privativa.
O protesto de Isadora Faber vai, é fatal, esmaecer, até se tornar uma vaga lembrança sobre o episódio que resultou em 13 novas luminárias, reparos nas fechaduras e o afastamento de um professor de Matemática. Se gerar reação em série, bom seria que hasteasse boa causa, a de que chegou a hora de "falar com as paredes". Nossas instituições de ensino são escandalosamente mal cuidadas. O estado das salas, dos jardins, das cortinas diz algo sobre o desvalor que carregam. Muito desse estado vem da própria organização soviética do dinheiro público, deixando diretores à penúria, sem uns tostões para arrumar a vidraça quebrada.
É marcante o depoimento do religioso redentorista padre Patrick McGillicuddy, criador de um belíssimo colégio para jovens em situação de risco, em Campina Grande do Sul, Região Metropolitana de Curitiba. Irlandês, ele se diz chocado com os puxadinhos, telhas de Eternit, pisos de cimento que outra coisa não dizem aos pobres senão que a escola é o menos importante dos espaços. Em resposta, usou sua herança para construir uma bela escola para os mais pobres física e intelectualmente. Os resultados são notáveis.
A esse argumento se levantam os que alienam educação de dinheiro. É verdade. Mas não existe discurso que defenda um espaço pedagógico que não seja minimamente cuidado. Mais nesse desleixo reside parte de nossos males. São panos para a manga. Os governos deveriam chamar os melhores arquitetos para erguer suas instituições de ensino, a exemplo do que fazem os colombianos com suas bibliotecas públicas. Elas são lugares. Os puxadinhos infames já nascem "não lugares", como qualifica o antropólogo Marc Augé. Não por sua simplicidade, mas por não despertarem afeto. E afeto sempre pede uma lata de tinta para pintar o corredor. O corredor é, afinal, um espelho de todo o resto.
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