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Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo), uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem escreve um romance, é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça. Seu desapontamento com a qualidade de certa mídia pode parecer radical e ultrapassada. Mas não é. Na verdade, Talese é um enamorado do jornalismo de qualidade. E a boa informação, independentemente da plataforma, reclama competência, rigor e paixão.

Segundo Talese, a crise do jornalismo está intimamente relacionada com o declínio da reportagem clássica. "Acho que o jornalismo e, não o Times, está sendo ameaçado pela internet", diz. "E o principal motivo é que a internet faz o trabalho de um jornalista parecer fácil. Quando você liga o laptop na sua cozinha, ou em qualquer lugar, tem a sensação de que está conectado com o mundo. Em Pequim, Barcelona ou Nova York... Todos estão olhando para uma tela de alguns centímetros. Pensam que são jornalistas, mas estão ali sentados, e não na rua. O mundo deles está dentro de uma sala, a cabeça está numa pequena tela, e esse é o seu universo. Quando querem saber algo, perguntam ao Google. Estão comprometidos apenas com as perguntas que fazem. Não se chocam acidentalmente com nada que estimule a pensar ou a imaginar. Às vezes, em nossa profissão, você não precisa fazer perguntas. Basta ir às ruas e olhar as pessoas. É aí que você descobre a vida como ela realmente é vivida."

A crítica de Gay Talese é um diagnóstico certeiro da crise do jornalismo. Os jornais perdem leitores em todo o mundo. Multiplicam-se as tentativas de interpretação do fenômeno. Televisão e internet são, de longe, os principais vilões. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. No entanto, como explicar o estrondoso sucesso editorial do épico O Senhor dos Anéis e das aventuras de Harry Potter? Os jovens não consomem jornais, mas não se privam da leitura de obras alentadas. O recado é muito claro: a juventude não se entusiasma com o produto que estamos oferecendo. O problema, portanto, está na nossa incapacidade de dialogar com o jovem real.

Mas não é só a juventude que foge dos jornais. A chamada elite, classes A e B, também tem aumentado a fileira dos desencantados. Será inviável conquistar toda essa gente? Creio que não. O que falta, estou certo, é ousadia e qualidade. Os jornais, equivocadamente, pensam que são meio de comunicação de massa. E não são. Daí derivam erros fatais: a inútil imitação da televisão, a incapacidade para dialogar com a geração dos blogs e dos videogames, e o alinhamento acrítico com os modismos politicamente corretos. Esqueceram que os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de produtos de qualidade.

Num momento de ênfase no didatismo e na prestação de serviços – estratégias úteis e necessárias –, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que precisamos conquistar não quer o que pode conseguir na tevê ou na internet. Ele quer qualidade informativa: o texto elegante, a matéria aprofundada, a análise que o ajude, efetivamente, a tomar decisões. A fórmula de Talese demanda forte qualificação profissional. Eis um magnífico roteiro e um formidável desafio para a conquista de novos leitores: garra, elegância, rigor, relevância.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS, www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.

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