O extraordinário resultado da consulta popular, apontando a grande vantagem do não em relação ao sim em todas as capitais e estados brasileiros, constitui uma clara manifestação de vontade do eleitor brasileiro.

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No último domingo, um universo de 120 milhões de eleitores decidiu votar contra a proibição de vendas de armas e munição para a generalidade dos cidadãos, ressalvados os casos restritos do Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826 de 22.12.2003).

É importante salientar que a decisão do referendo não indica que a população pretende se armar como também não significa a liberação indiscriminada para esse tipo de comércio. De acordo com o art. 6.º do Estatuto, somente tem licença para o porte de arma: I – os integrantes das Forças Armadas; II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do art. 144 da Constituição Federal (refere-se à segurança pública); III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos estados e dos municípios com mais de 500.000 habitantes; IV – os integrantes das Guardas Municipais dos municípios com mais de 50.000 e menos de 500.000 habitantes, quando em serviço; V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; VI – os integrantes de órgãos policiais (que especifica); VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias; VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos da lei; IX – os integrantes das entidades de desporto, legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo.

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Também será admitido o porte em outras hipóteses muito limitadas. Por exemplo: a) aos residentes em áreas rurais que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar e familiar (na categoria de caçador); b) os integrantes das guardas municipais dos municípios que integram regiões metropolitanas, quando em serviço.

Diferentemente do porte é a situação da posse de arma de fogo na residência ou no local do trabalho. Neste caso existe a obrigatoriedade do registro, sob pena do possuidor responder criminalmente. Em relação aos civis, a aquisição de arma de fogo e de munição depende de vários requisitos como determina o Decreto n.º 5.123, de 2004, que regulamentou o Estatuto. Entre eles estão: a) a efetiva necessidade; b) a idade mínima de 25 anos; c) cédula de identidade civil; d) comprovação de idoneidade; e) inexistência de inquérito policial ou processo criminal; f) ocupação lícita; g) residência certa; h) capacidade técnica para manuseio de arma de fogo, atestada por empresa de instrução de tiro, registrada no comando do Exército; i) aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

Como se pode verificar, a venda para o cidadão comum somente é possível uma vez cumpridas todas as exigências acima indicadas. A resposta "não" do referendo não caracteriza uma licença arbitrária para a compra de revólver ou outra arma de fogo e respectiva munição.

O primeiro recado dado pelas urnas consistiu na manifestação de descrédito no governo quanto à sua obrigação elementar de proporcionar a segurança pública. Aliás, a Constituição Federal nesta parte é muito clara ao estabelecer que "a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos" (art. 144).

O segundo recado traduziu a reversão de expectativas quanto às promessas de palanque feitas pelo presidente da República sobre melhor qualidade de vida da população. Muitos programas sociais e o compromisso de maior número de empregos não foram viabilizados. Pelo menos, nos índices apregoados durante a campanha eleitoral.

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O terceiro recado caracterizou um tipo de protesto contra as mazelas do poder político pela atuação antiética e não raro habitualmente criminosa de muitos de seus agentes.

René Ariel Dotti é advogado, professor universitário e membro da academia paranaense de letras jurídicas.