Guardadas nos armários do olimpo, as togas finalmente reapareceram. Os meritíssimos conseguiram a façanha de preservar-se do turbilhão político ao longo de quatro meses e assumiram sua condição de instância final, serena, acima das paixões e indignações.
Quem empurrou o Judiciário para a liça onde sangram o Legislativo e o Executivo foi justamente o presidente da suprema corte, ministro Nelson Jobim. Sua decisão de suspender o processo de cassação dos seis deputados petistas para garantir-lhes o direito de defesa é discutível, mas a natureza do Direito repousa justamente no contraditório.
O que ultrapassa as naturais divergências de opinião em torno de um processo judicial foi a decisão do chefe do Poder Judiciário de avocar para si a decisão sobre o mandado de segurança.
Jogada evidentemente combinada: para escapar do rodízio de relatores, os acusados entraram com o pedido depois do expediente do STF, o que permitiu ao presidente da corte, sob a alegação de urgência, atribuir-se o direito de julgar o caso.
O ministro Jobim tentou nesta sexta-feira minimizar a discussão declarando que está acostumado às críticas e controvérsias. Louvável o fair-play de um homem público num ambiente marcado pelas agressões e falta de urbanidade, mas a discussão a esta altura ultrapassou o mérito da questão.
A celeuma localiza-se agora num procedimento que compromete a lisura que se espera da nossa mais alta instância judicial. Naquele imponente tribunal situado na Praça dos Três Poderes não cabem mumunhas mesmo que com o nobre pretexto de estender aos acusados todas as garantias e prerrogativas do Estado de Direito.
O ministro Jobim tem um invejável currículo político e, pelo visto, não pretende encerrá-lo. Seu nome é freqüentemente mencionado como eventual candidato à Presidência da República pelo PMDB sem qualquer desmentido de sua parte. É extremamente positivo que o cenário para a sucessão presidencial seja enriquecido com um nome do seu gabarito.
Diante desta realidade política, não faz sentido que o presidente da mais alta corte de justiça tome a iniciativa de emitir juízo sobre uma questão que tem inequívocas implicações políticas. Mesmo que não se configure como um efetivo conflito de interesses, configura-se como rachadura do princípio de isenção.
Com a sua experiência de homem público, o ministro Jobim não ignora os devastadores efeitos da prolongada crise política no ânimo do cidadão. A descrença não envolve apenas o PT e algumas de suas lideranças. A desconfiança vai além dos partidos, ultrapassa o processo eleitoral e aninha-se na própria questão da representação política. Não é o número dos mandatos cassados que importa ao eleitor, ele agora está preocupado com a utilidade do próprio título que lhe garante o direito ao voto.
A sociedade brasileira está traumatizada apesar dos esforços nem sempre apropriados do presidente Lula em reanimá-la. De forma avassaladora vem perdendo seus guias e referências, assiste ao esfacelamento dos mitos e palavras de ordem, está entregue à dúvida, emaranha-se no ceticismo, não tem fé nas instituições. A República, ultimamente tão citada, voltou a esconder-se, envergonhada com a avalanche de mentiras e trapaças cometidas em seu nome.
Do planalto, o ministro Jobim deve divisar a legião de brasileiros que na planície espera, humilhada, às vezes por décadas, uma decisão judicial que pode mudar as suas vidas. Pior do que a violência das ruas é a sensação de impunidade que emana dos foros deste país.
A inofensiva penada do presidente da nossa suprema corte foi meramente metafórica, artifício que em nada vai alterar o destino dos acusados. Mas é ao mesmo tempo o símbolo vivo da procrastinação, das delongas, das manobras protelatórias que tornaram a Justiça brasileira um padrão de injustiça.
A presença das togas no cenário desta tragédia deveria ser saudada como precursora da razão, desta maneira arrevesada só trouxe presságios.