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Editorial

O Litoral que mora em nós

Já são horas de investigar o enfraquecimento das trocas culturais entre Curitiba e municípios como Paranaguá e Antonina. Sem esses laços, perdem-se a memória o futuro

As relações entre Curitiba e as cidades do Litoral precisam ser mensuradas. Exatamente. Tem de medir, porque com dados em mãos talvez essa conversa saia do lugar comum e nos encha o peito de maresia. Por "medir" se entenda, por exemplo, saber quantos estudantes universitários parnanguaras desembarcam aqui todos os dias, formando filas de vans na porta das instituições de ensino. Quem daqui trabalha lá, e vice-versa. Quantos fizeram do Litoral um endereço para os anos da aposentadoria ou da velhice.

A lista de perguntas se desdobra e, uma vez respondidas, devem confirmar que Paranaguá, Morretes, Antonina e Guaratuba, por exemplo, são extraoficialmente parte da Região Metropolitana de Curitiba. E fazer parte não diz respeito apenas a ter relações de proximidade ou de benesses econômicas, mas diz respeito a afinidades culturais. Nesse sentido, aliás, as litorâneas estão mais ligadas à capital que a maioria dos 26 municípios que formam a RMC.

É bom dizer que a quebra desses laços nas últimas décadas é, grosso modo, uma fonte de ressentimento. Não é raro ouvir que "Curitiba virou as costas para o Litoral". Parte dos problemas enfrentados pelas cidades da região viriam dessa ruptura, cujas origens são sutis. E, nesse caso, difíceis de serem mensuradas. Mas podem ser diagnosticadas, e já são horas.

É comum ouvir dos mais antigos que, mesmo com todas as dificuldades de locomoção, comer um peixe em Paranaguá, ou um barreado, fazia parte da rota de lazer de milhares de curitibanos. Não se está aqui falando de turismo ou de delícias da estação – ainda que se pudesse. Mas de vínculo. Estávamos a um palmo uns dos outros, agora não mais. Estar nesses lugares, contar que se gastou tempo com eles, era uma forma de atestar sua importância, motivando outros a fazerem o mesmo.

Até aqui a conversa pode causar muxoxos. Ora, se um lugar não atende mais às necessidades, digamos, não há por que visitá-lo. Se a questão for pensada do ponto de vista do consumo puro e simples, pode até estar correta. As melhoras de Morretes no atendimento a turistas fizeram com que fosse mais visitada, como se sabe. Mas o assunto circula em outra esfera – a esfera da memória.

Num mundo perfeito, as cidades litorâneas seriam como um álbum de família. Pais levariam seus filhos até lá, num ritual cívico e afetivo. O mesmo fariam as escolas, lotando ônibus de alunos rumo ao Litoral. Sem querer congelá-las no passado – o que seria uma tolice –, essas mesmas cidades são o nosso grande acervo, que precisamos revisitar tantas vezes, mesmo sabendo o que iremos encontrar. É da vida. É da cultura.

Se esses apelos não forem o bastante, que se tome como medida, então, o movimento mundial de valorização das pequenas cidades. Os urbanistas alertam que são as cidades de médio porte – como Curitiba – as que mais atraem investimentos. Logo, são as mais vulneráveis. Podem, se não se cuidarem, repetir a sanha das megalópoles e, em pouco, serem vítimas de seu próprio crescimento. Como diz o antropólogo e urbanista Mike Davis, nesses lugares desmesurados o urbano convive com o antiurbano. O crescimento se dá sem desenvolvimento, tirando das cidades o que lhe é próprio – ser um lugar de trocas culturais, acessos e oportunidades.

Ora, nenhuma média cidade verá o futuro se não contar com suas vizinhas menores – não para depósito ou repasse de problemas, é claro, mas para ter contrapontos, escalas e formas de convivência que não sejam unicamente as pautadas pelas relações de trabalho e de mobilidade. Em miúdos, todos aqueles que falam no "valor das pequenas cidades" estão se referindo àquilo que as médias e grandes cidades talvez não queiram ser, mas também àquilo a que renunciaram e não vão poder alcançar.

Sua única chance de ser grande de fato é estar de mãos dadas com lugares norteados por outras lógicas, nos quais seja possível enxergar alternativas. A cidade pequena mora em nós, como possibilidade de estar no mundo. Se estiver perto do mar, melhor. Paranaguá, Morretes, Antonina, Guaratuba, Guaraqueçaba... são lugares a que precisamos ir caso queiramos chegar a algum lugar.

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