O Brasil tem uma cultura personalista, o que faz que tenha um Estado patrimonialista. Em outras palavras, o poder é percebido pela população e por seus detentores como sendo propriedade pessoal do poderoso. É o que ocorre numa monarquia, aliás; os navios de guerra ingleses são chamados "navios de Sua Majestade", e pertencem à rainha.
Aqui, contudo, o Estado é uma propriedade com prazo fixo. O sujeito é eleito ou nomeado, e vira "dono" daquilo tudo até a próxima eleição, o que torna evidente a necessidade de garantir a reeleição ou a eleição de um aliado. A luta que, em tese, deveria ser política e versar sobre formas diferentes de gerir a coisa pública passa a ser uma disputa renhida pela posse da coisa pública. Para este fim, como os escândalos cada vez maiores apontam, o meio mais prático é o aparelhamento da coisa pública em benefício do grupo que esteja de posse do poder.
Distribuem-se diretorias a quem tenha o aval da namorada do chefe, cargos de confiança são criados, verbas são desviadas para benefício do grupo, tudo isso enquanto impostos escandinavos garantem serviços estatais bolivianos ou bolivarianos.
Nossa legislação e nosso Judiciário habitam um mundo fabuloso, em que traficantes assassinos "de menor" passam por medidas socioeducativas e saem aptos à reintegração na sociedade, em que a impessoalidade é um dos princípios a orientar os agentes do Estado, em que os partidos representam visões ideológicas unidas no mesmo amor à democracia representativa...
Em última instância, isto é uma decorrência do descompasso entre a legislação e a cultura do país. Não adianta fazer campanhas pela cidadania que, no fim das contas, não passam de tentativas de mudar a cultura de toda a população; o necessário seria adequar a lei à realidade, não tentar mudar a realidade para que ela se adeque à lei.
O problema é mais profundo que esta ou aquela ação deste ou daquele partido político, promotor de justiça ou juiz. O que temos é um país de verdade com uma ordenação política e jurídica de fantasia. O país funciona, apesar desta pseudo-ordenação, por ter uma população que adere de maneira relativamente unânime a códigos morais tradicionais. Isto, contudo, não tem como durar. Um país cujas leis não correspondem à realidade é um país em que a lei solapa a autoridade do Estado, um país cujo governo é só um parasita que se encaminha para a irrelevância. Sem uma mudança estrutural no nosso sistema jurídico e político, em breve ele será apenas objeto de piadas.
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