Até onde irá a degradação dos serviços públicos no Brasil? No Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), um hospital de referência, há uma fila de 21 mil pessoas que podem esperar até quatro anos por uma cirurgia. Entre os muitos casos patéticos, o de um rapaz que sofre de paralisia cerebral, caiu da cadeira de rodas e sofreu uma fratura: já espera há mais de oito meses sofrendo dores excruciantes e, segundo o hospital, a previsão é de que tenha de esperar até julho de 2013.
A que ponto chegou a saúde pública no Brasil! O que é assustador é que esse colapso dos serviços públicos não se restringe ao Into, nem à área de saúde. Olhe à sua volta, paciente leitor, e veja o que está acontecendo com a educação pública, com a segurança dos cidadãos, com a infraestrutura de uso coletivo.
Falta de dinheiro? Certamente não, pois ano após ano os governos batem recordes de arrecadação. Incompetência em estado agudo e epidêmico? Dificilmente, pois conheço (e todos conhecem) inúmeros casos de pessoas capazes e bem-intencionadas trabalhando nos serviços governamentais. Corrupção generalizada? Improvável, ainda mais com o enorme aparato que foi sendo criado ao longo dos últimos anos para fiscalizar os atos dos governantes, com controladorias, ouvidorias, Tribunais de Contas e Ministério Público gozando de mais e mais poderes e utilizando-os com largueza e desenvoltura.
Acredito que boa parte da explicação para a verdadeira catatonia que tomou conta dos governos esteja em dois fatores: primeiro, na obsessão em garantir que tudo o que se pretenda fazer respeite o que um número cada vez maior de grupos sociais considera ser seus direitos: os índios, os quilombolas, as minorias raciais, os sem-terra, os sem-casa, os protetores da flora e da fauna aérea, terrestre, subterrânea e aquática e por aí afora. Isso leva a uma interminável sucessão de pareceres e opiniões de comitês, conselhos e orgãos representativos e protetores desses grupos antes que qualquer coisa concreta possa ser feita.
Ao mesmo tempo, com a preocupação em evitar que os governantes apliquem mal os recursos públicos, multiplicaram-se os processos de controle. Por mais salutar e elogiável que seja o propósito, a obsessão pela fiscalização acabou passando do limite do razoável e, assim, qualquer decisão, por mais urgente e relevante que seja, pode ser (e é frequentemente) adiada ou impedida pelos orgãos de controle e pelo Ministério Público, que escorregam com frequência preocupante para o formalismo e o ritualismo mais bizantino, além do moralismo udenista mais tacanho. Alguns agentes dessas máquinas fiscalizadoras parecem acreditar que existem dois mundos paralelos: o dos problemas concretos e o das abstrações morais e jurídicas, o que é uma rematada tolice.
Isso lembra a história do "não-fazímetro-nada". Em uma prestigiosa universidade brasileira, alguns alunos construíram um equipamento eletrônico que, quando era ligado, emitia bips, acendia e apagava luzinhas verdes e vermelhas, e em seguida... se desligava. Intrigado, um professor quis saber o nome e a finalidade da máquina. E os alunos, triunfantes: "o nome do equipamento é não-fazímetro-nada e, como o nome indica, ele não faz nada a não ser desligar a si próprio".
Vocês já notaram como a máquina pública brasileira está cada vez mais parecida com o não-fazímetro-nada?
Um P.S.: parabéns ao grande arquiteto Manoel Coelho pelo prêmio nacional que recebeu, homenagem à sua capacidade de criar verdadeiras obras de arte que resolvem problemas concretos.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.