Uma cena que foi amplamente divulgada na mídia mostra um conjunto de barcos de pesca fomentados pelo Sindicato dos Armadores e das Indústrias de Pesca de Itajaí e Região impedindo o trânsito de navios de turismo que, por 30 horas, não puderam dar sequência à sua viagem. Eles pediam que a nova lista de espécies de peixes ameaçados de extinção, anunciada pelo governo federal, fosse revisada. Para o sindicato, o importante é a manutenção de todos os empregos dos pescadores, e não a proteção e recuperação dos estoques drasticamente diminuídos do pescado. Mas, para que o sindicato e seus membros garantam o hoje, há de se colocar em risco o amanhã.
Este é apenas um exemplo, entre tantos outros, que aponta para a ausência de um Estado suficientemente forte e consciente de seu papel regulador. Distante de uma conduta em defesa do que representa o real interesse público, gera desvios de conduta que permitem considerar retrocessos em decisões de cunho técnico-científico para o atendimento irresponsável do que interessa a uma minoria que não tem nenhuma autoridade para se contrapor a um fato inquestionável: o peixe acabou.
E acabou justamente pela sobrepesca e pela pesca ilegal, realizada por estes mesmos atores que se dizem agora prejudicados. O que mais é necessário ser explicado num caso assim? Tudo bem defender empregos, mas gerar ainda mais prejuízos sociais, econômicos e ambientais para suportar artificialmente condições de trabalho inviáveis beira a insanidade.
Os casos de influência exacerbada de setores da economia nas políticas governamentais no Brasil são tanto numerosos quanto geram resultados para seus promotores. Como aceitar as alterações do Código Florestal e a geração de mais desmatamento, um interesse explícito e único do ruralismo, se a água, produzida pelas áreas naturais, é um recurso cada vez mais escasso e gera cada vez mais riscos à sociedade e aos negócios em geral? A estratégia é bem conhecida: recursos para sustentar financeiramente uma bancada no Congresso que vota não pela razão, mas para quem os financia; e um Executivo vulnerável a todo tipo de pressão política, e tudo está resolvido.
O Estado observa, sem reação, os absurdos sequenciais que degradam a estrutura de nossa sociedade, ainda extremamente carente de investimentos, justo pelo escoamento dos recursos para atender quem, na prática, está obtendo vantagens indevidas em detrimento de uma maioria que não pratica leviandades para defender interesses próprios.
Um bom exemplo é o enorme descontrole na petroleira nacional, que não se limita à sujeira da corrupção. Também guarda interesses, como em outros países, para que o subsídio para a produção de combustíveis fósseis seja mantido, o que não mais se justifica senão pelas pressões para manter vivo um negócio gigantesco e com muitos grupos corporativos interessados.
De fato, a complexidade multifacetada dos negócios dificulta ainda mais a vida de governos, que, desestruturados e sem personalidade, não conseguem cumprir o seu papel. Apostar num futuro mais digno, com melhores expectativas, apenas se fisiologismos como os lobbies setoriais forem devidamente colocados em seus lugares. Muito menos importantes e influentes do que hoje, lascivamente, permitimos.
Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
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