Em nota, o partido defende o modus operandi mensaleiro e se declara juiz do Judiciário
A nota divulgada na quarta-feira pela Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores preocupa qualquer brasileiro que tenha o mínimo compromisso com o Estado Democrático de Direito. Seu teor não chega a ser totalmente inédito, pois já corria na boca de líderes partidários e dos mensaleiros petistas recentemente condenados pelo Supremo Tribunal Federal José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha. Mas, se aquelas ainda podiam ser vistas como declarações de cunho pessoal, agora é o partido que, de forma oficial, faz ao mesmo tempo uma defesa do modus operandi mensaleiro e uma autêntica declaração de guerra ao Judiciário. A nota assusta tanto pelo que diz claramente quanto pelo que deixa implícito.
O julgamento do mensalão ofereceu ao PT uma chance única: a de reconhecer erros e mudar seu rumo. No entanto, o partido fez a escolha radicalmente oposta, confirmada de forma inequívoca pela nota. Ao defender de forma tão veemente os seus membros condenados pelo Supremo; ao negar o desvio de verba pública para compra de apoio parlamentar, apesar de todas as evidências reunidas pela Procuradoria-Geral da República; ao afirmar quase com candura que se tratou apenas de caixa dois, o PT anuncia aos quatro ventos que valida a atuação dos mensaleiros; que, apesar de apanhado, não se arrependeu. Enfim, o partido se revela completamente tolerante com a corrupção, desde que sirva a seu projeto de poder.
Como não poderia deixar de ser, a nota evoca os avanços sociais obtidos nos governos de Lula e Dilma Rousseff: "28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente", afirma o documento. Fica escancarada, assim, a tentativa de usar as conquistas sociais como carta branca para ilícitos, como se o sucesso no combate à pobreza pudesse desculpar ou se sobrepor a atos de corrupção. O PT, assim, ressuscita a mística do "rouba, mas faz", tornada famosa por Paulo Maluf, o mesmo que o ex-presidente Lula reverenciou recentemente, em busca de apoio para a eleição de seu pupilo Fernando Haddad em São Paulo. Nesse contexto, a nota de defesa dos mensaleiros aparece como uma continuação daquela foto que já entrou para a história política brasileira.
A hostilidade ao Judiciário também atinge novos níveis com o documento do PT. A expressão não aparece na nota, mas todo o seu texto afirma que o STF fez um julgamento de exceção: sem isenção, sem amplo direito de defesa, com "arbitrariedades", condenando sem provas, instaurando "um clima de insegurança jurídica no país" essas, sim, palavras tiradas da nota. Julgamentos de exceção são característica de regimes não democráticos, de onde se conclui que, para o PT, o STF traiu a democracia brasileira ao condenar os mensaleiros. Não é uma acusação simples, e precisa de provas irrefutáveis, que a nota do PT não ofereceu.
"O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida", diz a nota, escancarando a arrogância de um partido que pretende ser o juiz do Judiciário. Que "esforços" serão esses para "conter" a "partidarização" do STF? O documento dá uma pista: "Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT". Em junho, José Dirceu já havia pedido uma "batalha travada nas ruas", que só foi adiada graças ao período eleitoral, dias nos quais o PT manteve-se em silêncio estratégico para não atrapalhar suas candidaturas. Talvez botar a militância na rua, apoiada por entidades satélites como a CUT e a UNE, seja o ideal petista de uma "alternativa não partidária"... a não ser que se parta para tentativas alopradas de controle do Judiciário, como a comissão que o setorial jurídico do PT propôs em agosto, para acompanhar o julgamento do mensalão e evitar "atentados à democracia", e que o partido queria jogar nas costas da OAB.
A nota acusa o STF de criminalizar o PT, como se o partido estivesse no banco dos réus. Os acusados, bem sabemos, eram alguns de seus membros, não a instituição por mais importantes que sejam Dirceu, Genoino, Delúbio e Cunha no organograma petista. Mas, ao defender os mensaleiros, é o próprio partido que veste a carapuça, se coloca em uma posição delicada e fica sujeito à crítica daqueles que defendem a ética e o Estado Democrático de Direito. Neste espaço, por ocasião da anistia que o PT pretende conceder aos mensaleiros condenados, ao arrepio do estatuto partidário, criticamos o silêncio dos petistas honrados. A mesma situação se apresenta agora: calar é consentir. Os militantes éticos precisam, o quanto antes, se manifestar de forma veemente; do contrário, estarão se portando como cúmplices da pretensão totalitária que o partido demonstrou na semana passada.
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